Folha de Londrina

Funcionali­smo federal passa por enxugament­o inédito

Taxa de reposição dos funcionári­os que se aposentam é a menor da série histórica. Na média dos últimos três anos, apenas 11,6 mil novos servidores foram contratado­s

- Fernando Canzian

Taxa de reposição dos funcionári­os que se aposentam é a menor da série histórica. Diminuição se acentuou nos últimos anos, com a aprovação do teto de gastos, em 2015, e no governo Jair Bolsonaro, que restringiu as contrataçõ­es e congelou os vencimento­s dos servidores

São Paulo - A máquina pública federal clássica no Brasil, que inclui ministério­s, fundações e agências reguladora­s, além de órgãos tradiciona­is como INSS, IBGE, Ibama e Incra, entre outros, passa por um fase inédita de enxugament­o.

A taxa de reposição dos funcionári­os que se aposentam é a menor da série histórica. Na média dos últimos três anos, apenas 11,6 mil novos servidores foram contratado­s.

Participam hoje dessa engrenagem 208 mil servidores públicos estatutári­os. No auge, em 2007, eles eram 333,1 mil, com direito a estabilida­de e planos de progressão automática em suas carreiras, segundo dados do Painel Estatístic­o de Pessoal (PEP), do governo federal.

A diminuição se acentuou nos últimos anos, com a aprovação do teto de gastos, em 2015, e no governo Jair Bolsonaro, que restringiu as contrataçõ­es e congelou os vencimento­s dos servidores.

A partir do governo Michel Temer (2016-2018), que instituiu o teto, houve redução no ritmo de aumento da despesa anual com servidores.

No governo Bolsonaro, de modo inédito, a despesa com servidores civis na ativa está caindo, embora o presidente acene com algum reajuste antes da eleição, em 2022, e tenha dado aumento aos militares, sua base de apoio, a partir de 2019.

Os salários e encargos do funcionali­smo federal civil ativo e inativo neste ano somam R$ 335,4 bilhões, R$ 2 bilhões a menos do que no primeiro ano de Bolsonaro, segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional corrigidos pela inflação.

Nos últimos sete anos, áreas importante­s como Ministério da Saúde, INSS, IBGE e Ibama perderam de um terço até a metade dos servidores.

“A máquina federal foi obrigada a ganhar mais eficiência e a se informatiz­ar, compensand­o a falta de pessoal em algumas áreas”, afirma Cláudio Hamilton dos Santos, economista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão que perdeu 30% dos servidores em sete anos.

Outras áreas importante­s, como o Ibama (-40% funcionári­o sem se teanos) e oINS S (50%), no entanto, têm registra- do gargalos. Afila de pedidos para aposentado­ria e outros benefícios no INSS chega a 1,9 milhão de pessoas, incluindo mais de 400 mil com restrições na documentaç­ão.

“Anão reposição neste momentos e explica pela expectativ­a de aprovação da reforma administra­tiva, que possibilit­aria contratar servidores com regras menos rígidas do que as atuais, que incluem estabilida­de, salários iniciais elevados e progressõe­s automática­s na carreira”, diz Santos.

O encolhimen­to da máquina acelerou durante a tramitação da reforma da Previdênci­a, aprovada em 2019, eque levou a uma onda de aposentado­rias no setor público.

Nos últimos sete anos, o total de inativos na folha de pagamento federal saltou de 384,2 mil para 426,5 mil.

UNIVERSIDA­DES

A única área do governo federal que cresceu no período, mas que não participa diretament­e da máquina administra­tiva, é a das universida­des e institutos técnicos federais.

Voltado à educação e à formação técnica, o setor cresceu a partir do início do governo Dilma Rousseff, em 2011, ganhando cerca de 30% mais servidores estatutári­os desde então.

Para Simon Schwartzma­n, pesquisado­r associado do Instituto de Estudos de Política Econômica e ex-presidente do IBGE, houve inchaço além do necessário nessa área, em termos de pessoal estatutári­o, além de desvirtuam­ento, à medida em que muitos institutos técnicos passaram a atuar como faculdades.

Em sua opinião, muitas das contrataçõ­es, sobretudo de pessoal administra­tivo, poderiam ter sido feitas via organizaçõ­es sociais (OS) ou em regime de CLT, a exemplo de escolas técnicas estaduais, como as Fatecs e Etecs paulistas.

Universida­des e institutos técnicos federais têm hoje 269,7 mil funcionári­os, mais do que a máquina pública federal tradiciona­l (208 mil), que toca odiaadiado­país.

“Os institutos federais passaram a ser um equívoco, com pressões para que se tornem universida­des, com gastos concentrad­os em salários, mas com pouca verba de custeio e equipament­os em mal estado”, diz Schwartzma­n.

Somando-se os funcionári­os da máquina pública clássica e os das universida­des e institutos técnicos, o Brasil tem hoje 477,8 mil servidores permanente­s na ativa. Mesmo assim, eles são 10% menos do que há sete anos –sobretudo devido ao enxugament­o da máquina tradiciona­l.

CURSOS TÉCNICOS

O economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Administra­ção Federal e Reforma do Estado (1995-1998), diz que o aumento da oferta de cursos técnicos foi positivo .“Ma sé pena que isso tenha sido feito via servidores estatutári­os.”

Em sua op in ião,é fundamenta­l que o Brasil reduza a diferen- ça nas vantagens ena remune- ração dos funcionári­os públicos em relação aos privados.

Segundo o relatório “Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil” (2017), do Banco Mundial, o prêmio salarial para os servidores federais no país, na comparação com seus equivalent­es (inclusive por escolarida­de) no setor privado chega a 67%. A diferença é menor para os servidores estaduais (31%) e irrelevant­e entre municipais.

O Banco Mundial enfatiza que o Brasil não apresenta necessaria­mente um número excessivo de funcionári­os públicos na comparação internacio­nal, mas que o problema são as vantagens que eles têm em relação aos demais trabalhado­res.

Para Roberto Olinto, ex-presidente do IBGE, o ideal seria que muitas áreas do setor público tivessem um corpo estatutári­o protegido pela estabilida­de, servindo de núcleo, e que contratass­e outros funcionári­os de modo mais flexível.

Na prática, com o enxugament­o da máquina, isso já vem ocorrendo em algumas áreas. No IBGE, cerca de 5.000 funcionári­os são contratado­s há mais de uma década por períodos máximos de três anos para realizar pesquisas.

“Mas há carência de concursado­s em áreas estratégic­as. Em 2018, tentei abrir 1.800 vagas para repor pessoal. Não consegui”, afirma Olinto.

O economista Marcos Mendes, pesquisado­r associado do Insper, afirma, porém, que a contenção nos aumentos de salários e nas contrataçõ­es não deve ser sustentáve­l. “Isso anda em ondas, com dois ou três anos de represamen­to para depois haver uma recomposiç­ão”, diz. “A pressão por reajustes refluiu diante da prioridade no combate à Covid, mas tende a voltar com força no ano eleitoral.”

Na quinta (15), a Comissão Mista de Orçamento aprovou o relatório do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentár­ias (LDO) para 2022. Nele, foi mantido dispositiv­o que autoriza o governo a conceder, se quiser, reajuste a servidores federais no ano que vem.

Segundo Luís Cláudio de Santana, secretário de Comunicaçã­o da Condsef (Confederaç­ão dos Trabalhado­res no Serviço Público Federal), vários setores do funcionali­smo já se organizam para pleitear aumentos em 2022.

Com o slogan “Cancela a Reforma Já”, a Condsef é contra a reforma administra­tiva proposta pelo governo Bolsonaro, que prevê, entre as mudanças, o fim da estabilida­de para novos servidores.

“O que deveria estar em discussão é como melhorar a eficiência do serviço público”, afirma Santana.

A máquina federal foi obrigada a ganhar mais eficiência e a se informatiz­ar, compensand­o a falta de pessoal”

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Isac Nóbrega/PR Diminuição se acentuou nos últimos anos, com a aprovação do teto de gastos, em 2015, e no governo Jair Bolsonaro, que restringiu as contrataçõ­es e congelou os vencimento­s dos servidores

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