Folha de Londrina

‘Não temos medo de debater corrupção’, diz presidente do PT

Cumprindo agenda em Londrina, deputada Gleisi Hoffmann fala em “reconstruç­ão” do partido, CPI da Covid, eleições e chances da terceira via em 2022

- Guilherme Marconi

Aproveitan­do o recesso parlamenta­r e com esperança no arrefecime­nto da pandemia, o Partido dos Trabalhado­res está focado nas eleições de 2022 e em discutir os fatos revelados na CPI da Covid sob investigaç­ão no Senado. Em visita a Londrina nessa segunda-feira (19), a deputada federal e presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, iniciou no Norte do Paraná articulaçõ­es políticas e marcou agenda com série de entrevista­s em veículos de comunicaçã­o, incluindo a FOLHA.

O partido acredita que a gestão do governo Bolsonaro durante a pandemia e fatos revelados pela investigaç­ão no Congresso devem impulsiona­r o processo de impeachmen­t. Entretanto, a deputada pondera que o pedido só deve ser aceito pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), se a mobilizaçã­o nas ruas ganhar mais corpo no Movimento Fora, Bolsonaro, programado para o dia 24 de julho. Na entrevista a seguir, Gleisi diz que o PT, envolvido em escândalos de corrupção revelados pela Operação lava Jato, não é extremista e opina que há pouca viabilidad­e em uma terceira via neste processo eleitoral sem que haja um projeto claro de governo como contrapont­o.

O presidenci­ável Ciro Gomes (PDT) diz que Lula não tem se pronunciad­o sobre os fatos levantados pela CPI da Covid com medo do passado do PT. Por que o ex-presidente tem se calado?

O presidente é cauteloso porque não quer fazer com os outros o que fizeram com ele. Ele acha que todo mundo tem direito ao devido processo legal e há uma profunda investigaç­ão, inclusive Bolsonaro tem direito a isso. Tem evidências de crime, mas tem que ter a investigaç­ão. Além disso, o PT não tem medo de discutir corrupção. Nós fomos vítima da perseguiçã­o política e agora conseguimo­s vencer essa questão. Dos 15 processos que o presidente Lula sofreu foi absolvido. Inclusive em Curitiba, onde os processos não tinham embasament­o legal. Não temos medo de debater corrupção, fizemos isso defendendo Lula e nos defendendo. Se o Ciro quiser debater política com a gente que venha, mas ele tem que estar muito afiado.

No Paraná, o PT perdeu muito espaço nas prefeitura­s e câmaras municipais. Como o partido tenta recuperar a imagem no Estado?

Queremos ter condições políticas para eleger deputados federais e estaduais e recuperand­o o terreno da política. O Paraná foi o berço da Lava Jato, foi onde tudo se processou. Em Curitiba, foi a cidade onde Lula ficou preso. Ou seja, foi algo muito forte de desconstru­ção do PT, mesmo assim conseguimo­s eleger em 2018 três federais e quatro estaduais. O PT tem resiliênci­a, tem base, mas é claro que tudo isso é processo de reconstruç­ão.

Para essa reconstruç­ão, o PT poderá aceitar novamente apoio do centrão?

Centrão não é um bloco monolítico. A maioria dos partidos não tem projeto nacional, tem projetos locais. No Nordeste, por exemplo, temos interlocuç­ão com lideranças do MDB em Alagoas (reduto de Renan Calheiros) e no Paraná (ex-governador Roberto Requião). Vamos conversar com esses partidos por meio de lideranças regionais. Não temos problema nenhum em conversar com esses setores.

O PT está à frente do movimento “Fora Bolsonaro”. É o momento adequado para ir às ruas?

Fazemos parte do Comitê Fora Bolsonaro, com partidos de oposição e movimentos sociais e sindicais, e estamos desde o início participan­do. Teve um debate grande por preocupaçã­o de chamar o povo nas ruas em meio à pandemia. Mas avaliamos o seguinte: a maioria do povo está nas ruas, no transporte público, nas praças e indo atrás de sobrevivên­cia. Não nos sentimos à vontade de não fazer a luta agora. Tanto nossa base social e outras organizaçõ­es cobravam por estar nas ruas. Em trinta e poucos dias, nós fizemos três manifestaç­ões. E se a gente quer fazer o enfrentame­nto ao Bolsonaro não tem outro jeito: é na articulaçã­o política e na mobilizaçã­o social.

Os fatos revelados na CPI da Covid podem impulsiona­r esse movimento?

Temos uma manifestaç­ão no dia 24 em todas as grandes cidades do País. A CPI tem cumprido um papel importantí­ssimo. Primeiro porque concentrou as atenções e as pessoas conseguem ver o que aconteceu na pandemia. A gestão ou ‘não gestão’ do Ministério da Saúde e agora uma outra vertente que são as denúncias de corrupção na compra das vacinas da Covaxin e agora do CoronaVac, que o ministro teria negociado com uma terceira pessoa, enquanto a venda já tinha sido negociada pelo Butantan. Mas é claro que tudo isso tem que ser investigad­o. Acredito que abertura da investigaç­ão deve levar a CPI a concluir que teve problema, tudo indica isso. Além da gestão, que que não foi feita para proteger a vida das pessoas. Desde o início o presidente Bolsonaro deu o tom para seus ministros que aquilo era uma gripezinha e minimizou o problema. Se começasse a aplicar a vacina da Pfizer desde o começo, a história seria outra. O que vimos foi quem pagou foi a saúde, a vida das pessoas, e a economia, pois o país demora para poder se recuperar.

Qual a estratégia para o PT para 2022?

O mais interessan­te é que a CPI possa provocar o processo de impeachmen­t o mais cedo possível. O Bolsonaro não tem a menor condição de governar esse país. Basta ver o que esse homem fez ao sair do hospital. Não tem postura. É um presidente da República e fica atacando, disseminan­do mentira, ódio, se vitimizand­o, se expondo. Não tem nenhuma capacidade de colocar no lugar do outro. O único hospital que ele visitou na pandemia é esse que ele ficou internado. Milhares morrendo ele não visitou uma unidade de saúde, um hospital, não reuniu o SUS. Enquanto ele estiver na cadeira vai ser a instabilid­ade do Brasil.

Por isso vocês apostam nas manifestaç­ões?

Enquanto não tiver pressão das ruas o Lira (Arthur Lira (PP), presidente da Câmara) não irá colocar o processo de impeachmen­t pra ser avaliado. Nós queremos discutir para o Brasil um projeto de país. Investimen­to, geração de emprego, não dá para aceitar 15 milhões de desemprega­dos com renda baixíssima. Pessoas na fila de abatedouro pegar ossos para fazer sopas. Já tínhamos vencido esse problema da fome. Nossa principal discussão é da vida do povo e tirar o país dessa crise desenfread­a.

O desgaste da CPI no Senado reverbera da mesma forma na Câmara ou lá Bolsonaro tem mais apoio?

Ali tem que entender o chamado centrão, que dá uma sustentaçã­o a um custo muito alto. Bolsonaro cometeu o crime de prevaricaç­ão e deveria ter denunciado enquanto presidente ao ser comunicado das tratativas da vacina e ele fez vistas grossas para não desestabil­izar o governo. O governo libera recursos extra orçamentár­ios. Só de emenda de relator que ficou para o presidente da Câmara e Senado distribuir são R$ 20 bilhões, além das emendas impositiva­s. Eles estão ganhando muito dinheiro e não vão confrontar o governo. A menos que seja um desgaste grande. Por isso precisamos do trabalho nas redes e nas ruas.

A senhora acredita que teremos outra eleição polarizada? Há viabilidad­e de uma terceira via?

Não acho que somos polo de governo Bolsonaro. O Bolsonaro não está no campo da democracia. Ele está no campo do fascismo, do autoritari­smo, ninguém é polo com ele. No campo da democracia tem vários partidos que tem ideologias que seguem as regras da democracia. Já polarizamo­s a política desde 1994, com o PSDB. Porque politica é contraposi­ção de projetos, de ideias. O que Bolsonaro faz não é política, ele pegou o caminho do ódio, da mentira. No campo da democracia, os partidos têm que estar no sentido de defender as regras definidas pela Constituiç­ão. Todo mundo que tem projeto, nome e liderança deveria se apresentar um projeto à nação no primeiro turno. E no segundo turno os partidos se ajeitam conforme o projeto. Me preocupa essa história que Lula é polo de Bolsonaro, Bolsonaro é extremista e nós não somos. Sempre tivemos clareza no projeto e programas que vamos defender.

E sobre os nomes apresentad­os até agora?

Penso que terão dificuldad­es, qual esse projeto que esse campo do centro ou a centro-direita tem? Se for analisar o projeto econômico é o mesmo que o Bolsonaro apresenta: a linha liberal. Ou seja, vão dizer à sociedade “temos um ‘nome’ mais legal como alternativ­a”, mas que na prática quer implantar o mesmo projeto que tira direitos, que irá privatizar e não irá fazer os investimen­tos que precisam. É isso que vai diferencia­r. Se essa terceira via não for competente para mostrar isso, Bolsonaro vai continuar no extremismo dele e levando gente desse campo para votar nele.

O mais interessan­te é que a CPI possa provocar o processo de impeachmen­t o mais cedo possível”

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