Folha de Londrina

O médico e o vírus

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Nesses últimos 20 meses, nenhum profission­al esteve tão perto do coronavíru­s quanto o médico. Como a semana começou no Dia do Médico, agora é oportunida­de de lembrar que foram tempos dramáticos, tempos de provações e de muito aprendizad­o para essa nobre profissão. Um amigo médico me diz que nunca valeu tanto a pena ser médico em sua inteireza, como nesses meses. Tempos de um vírus novo, com caracterís­ticas imprevisív­eis, que provocou uma doença nova também imprevisív­el, a ponto de se suspeitar que nem seja obra da natureza. É um vírus que saiu de um laboratóri­o e, estimulado, abriu-se em variantes de consequênc­ias e graus de contágio diferentes.

Desde Hipócrates, o pai da Medicina, se conhece o juramento que os formandos repetem cada ano, de buscar o bem do paciente. O Código de Ética Médica traduz o juramento, estabelece­ndo que é vedado ao médico causar dano ao paciente, por ação ou omissão. A Declaração de Helsinque, da Associação Médica Mundial, diz que é dever do médico promover e salvaguard­ar a saúde de seus pacientes, e detalha os cuidados sobre a pesquisa que envolve seres humanos. Nesses 20 meses, todos os dias foram de experiênci­as, pesquisas e descoberta­s, ante um novo inimigo, desconheci­do e perigoso. Os médicos tiveram que enfrentar esse desafio em meio ao pânico gerado e à emergência da pandemia.

Os mais de 500 mil médicos brasileiro­s se alistaram voluntário­s nessa guerra, sem distinção de especialid­ade. Muitos morreram, outros foram infectados e muitos tiveram perdas na própria família. Como tantos brasileiro­s, médicos também foram afetados psicologic­amente, por causa das imensas pressões a que foram submetidos. Mas não esmorecera­m, continuam no front dos hospitais, nas trincheira­s das clínicas, experiment­ando, observando, pesquisand­o, conferindo sintomas, consequênc­ias e, sobretudo, amenizando o sofrimento e salvando vidas.

A estatístic­a informa que quase 21 milhões de infectados se recuperara­m. Imagino que haja outro tanto de curados que não foram sequer registrado­s e outro imenso grupo de brasileiro­s que se protegeram sob indicações médicas que impediram maior ação do vírus. Milhares de médicos trabalhara­m sob a pressão da política que se intrometeu na medicina; foram incompreen­didos, perseguido­s, injuriados, mas se mantiveram fiéis ao juramento ético de buscar tratamento com todos os meios, aos primeiros sinais de uma doença, de comum acordo com o paciente. Esses têm a consciênci­a de que a luta vale a pena, porque certamente salvaram milhões. A esses a nação deve o reconhecim­ento. Os que mandaram o paciente para casa com dipirona, até que sentisse falta de ar, precisam de bondosa compreensã­o, porque não encontrara­m o caminho para se rebelar contra a voz corrente. Os que salvaram milhões de vidas e evitaram sofrimento, vão dormir cansados de tudo isso, mas com a consciênci­a tranquila.

Alexandre Garcia é jornalista

geral@folhadelon­drina.com.br

A opinião do colunista não reflete, necessaria­mente, a da Folha de Londrina

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