China e Rússia fazem provocação militar inédita contra Japão e EUA
Movimentação marítima se insere na crescente onda de provocações entre Washington e Pequim
São Paulo - Em uma provocação direta a Japão e EUA no Pacífico, a China e a Rússia enviaram dez navios de guerra pela primeira vez para atravessar o estreito que separa as duas principais ilhas do arquipélago nipônico. A movimentação ocorreu durante a segunda-feira (18) e foi relatada nesta terça (19) por autoridades japonesas. Ela se insere na crescente onda de provocações entre Washington e Pequim na região, adicionando um ingrediente explosivo: a sempre arisca Rússia de Vladimir Putin.
Chineses e russos fazem anualmente, desde 2012, exercícios navais conjuntos em águas internacionais no mar do Japão. O deste ano incluiu dezenas de navios, como destroieres e submarinos, e foram encerrados na manhã de segunda. Aí veio a surpresa. Cinco destróieres lançadores de mísseis chineses da classe Renhai, a mais avançada do país, e outras cinco embarcações russas se separaram do grupo e rumaram para o oceano Pacífico pelo estreito de Tsugaru, que separa as ilhas de Honshu, a maior do Japão, de Hokkaido, ao norte, por apenas 19,5 km. Durante a Guerra Fria, Tóquio abriu mão do controle total das águas a que teria direito para deixar um corredor internacional no meio da passagem.
Com isso, navios americanos com ogivas nucleares poderiam transitar sem ter de contornar o Japão ou ferir a Constituição local, que exige tal tipo de arma longe do território do país. Ainda assim, nunca havia ocorrido uma transição conjunta sino-russa.
É algo simbólico, dado que nem os chineses, muito menos os russos, teriam capacidade de vencer um embate contra forças aliadas dos EUA no mar hoje. Mas demonstra uma disposição beligerante.
O chefe-adjunto do novo gabinete japonês, liderado por Fumio Kishida, criticou de forma diplomática a ação. Tóquio, disse Yoshihiko Isozaki à rede NHK, “está observando de perto as atividades com grande interesse”. Ao longo da segunda, o comboio foi acompanhado por um avião de patrulha marítima P-3C.
Essas ações vêm na sequência da assertiva mudança feita pelo presidente Joe Biden no rumo da já agressiva Guerra Fria 2.0 iniciada pelo antecessor, Donald Trump, contra a ascensão chinesa sob Xi Jinping. Biden encorpou o Quad, grupo que une justamente o Japão, além de Índia e Austrália, a Washington. Nos últimos anos, todas as forças navais destes países passaram a se exercitar anualmente, e o americano promoveu os primeiros encontros de chefe de Estado da breve história do grupo - criado em 2007, ele dormitou até 2017.
Além disso, Biden firmou um pacto militar com Canberra que prevê dotar os australianos de submarinos nucleares com tecnologia americana e britânica, além de supostamente ver abertos para os EUA os portos que ficam ao sul do quintal estratégico chinês.
Tudo isso ocorreu em meio à desastrosa retirada americana do Afeganistão, que por fim liberou forças adicionais para a estratégia asiática de contenção da China.
A China se mexe, com o apoio da cada vez mais aliada Moscou, que já se vê na pior fase de suas relações no pós-Guerra Fria com forças da Otan (aliança militar ocidental) no Leste Europeu. Assim como o país de Putin, os chineses desenvolvem armas hipersônicas que assustam os americanos. Pequim negou o relato feito no fim de semana pelo jornal britânico Financial Times de que havia testado um novo modelo deste armamento, mas não convenceu muito.
E agora promoveu esse trânsito provocativo pelo estreito de Tsugaru. Os russos são uma potência militar continental, mas possuem capacidades navais razoáveis, em especial submarinas - particularmente, sua frota de embarcações lançadoras de mísseis balísticos com ogivas nucleares.
O Japão também tem disputas com a China, como no caso das ilhas Senkaku, que Pequim quer para si - agregando confusão geopolítica, Taiwan também as reivindica.
Todo esse jogo havia sido desenhado pelo próprio Pentágono em um documento de dezembro passado, no qual defendia o aumento da assertividade naval contra a China e a Rússia. O perigo óbvio, seja no Japão, em Taiwan ou no disputado mar do Sul da China, é de que essa agressividade mútua descambe em algum tipo de acidente ou escalada militar.
Biden firmou um pacto militar com Canberra que prevê dotar os australianos de submarinos nucleares