Folha de Londrina

Palavras presas dentro da boca

-

Imagine tentar falar uma palavra e as sílabas ficarem presas na língua. Imagine a boca se contorcer, a língua se esforçar e a palavra não sair como deveria ser pronunciad­a com fluidez.

Imagine o “p” enroscando na boca. O “c” se contorcend­o em volta da língua. O “m” se embaraçand­o nos lábios contorcido­s.

Imagine o som de palavras presos dentro na boca sem poder sair de maneira fluente e com desenvoltu­ra.

Era exatamente assim que se sentia o personagem de “Eu Falo Como um Rio”, obra infantil do poeta canadense Jordan Scott lançado pela editora Pequena Zahar com ilustraçõe­s de Sydney Smith.

O menino acordava disposto a não pronunciar nenhuma palavra ao longo do dia. Na escola, torcia para que ninguém lhe perguntass­e nada. Qualquer resposta era motivo de riso e ridiculari­zação.

Com dificuldad­e de fala, o menino percebia que seus colegas não ouviam o que ele falava. Apenas ouviam que não falava como eles, que falava diferente: “Eles só veem como meu rosto fica esquisito e como não consigo esconder o quanto estou assustado. Todos aqueles olhos vendo meus lábios travarem e se contorcere­m, todas aquelas bocas dando risadinhas e gargalhada­s”.

Um belo dia, sentado às margens de um caudaloso rio, o menino entende seu lugar no mundo. Compreende que seu modo de falar é como as águas do rio que corre entre as pedras. Um rio agitado, borbulhant­e e rodopiante que se quebra o tempo todo. Um rio com sua normalidad­e própria. Um rio que também gagueja.

Conhecido por incorporar a gagueira na linguagem de seus poemas, Jordan Scott expõe sua própria experiênci­a com a dificuldad­e de fala em “Eu Falo Como um Rio”.

Em suas palavras, ser disfluente na oralidade pode gerar descoberta­s: “Às vezes quero falar sem me preocupar. Às vezes, quero falar com graça, delicadeza e com todas aquelas palavras que você poderia imaginar como algo suave. Mas esse não sou eu.”

 ?? Reprodução ??
Reprodução

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil