Folha de Londrina

Para entidades, novo Código Eleitoral põe fim à transparên­cia nos partidos

Especialis­tas na área avaliam que projeto vai dificultar fiscalizaç­ão na prestação de contas das legendas e pedem que Senado promova audiências públicas antes de analisar a proposta

- José Marcos Lopes Especial para a FOLHA

Curitiba - Entidades e senadores veem com reservas o projeto que institui o Código Eleitoral, que começará a ser analisado pelo Senado. Aprovado na Câmara dos Deputados em setembro do ano passado, o projeto com 898 artigos consolida toda a legislação que trata do funcioname­nto dos partidos e das eleições e está em análise na Comissão de Constituiç­ão e Justiça (CCJ) do Senado.

Na semana passada, 21 entidades da sociedade civil ligadas à transparên­cia e à fiscalizaç­ão de gastos públicos encaminhar­am uma carta ao presidente da CCJ do Senado, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), pedindo a realização de audiências públicas sobre o assunto. Entre outras medidas, o projeto permite que partidos contratem empresas de auditoria para elaborar as prestações de contas e proíbe a divulgação de pesquisas de intenção de voto perto das eleições.

A carta, assinada por entidades como Transparên­cia Brasil, Instituto Não Aceito Corrupção e Observatór­io Social do Brasil, avalia que o projeto tem “aspectos gravemente controvers­os” em relação a temas como “acesso à informação de interesse público, transparên­cia, integridad­e e financiame­nto partidário”. As entidades destacam que propostas e sugestões foram ignoradas durante o trâmite na Câmara dos Deputados e pedem para a matéria não ser colocada em votação no Plenário do Senado.

Outro alerta foi feito pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin, na semana anterior. Em ofício ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSDMG), Fachin alertou que o Código pode esvaziar as funções da Justiça Eleitoral, ao deixar a cargo dos partidos as prestações de contas e dificultar a fiscalizaç­ão dos gastos.

Para o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que presidirá o TSE até agosto, a aprovação do projeto pelo Senado ainda pode gerar inseguranç­a jurídica e afetar a relação entre os Poderes, já que o Legislativ­o estaria interferin­do em uma atribuição constituci­onal do Judiciário, a análise

e as prestações das contas dos partidos.

FIM DA TRANSPARÊN­CIA

Para as entidades signatária­s da carta enviada ao Senado, o PL 112 representa o fim da transparên­cia na prestação de contas dos partidos. O cientista político e advogado Marcelo Issa, diretor do movimento Transparên­cia Partidária, explica que, caso o projeto seja aprovado, as prestações de contas referentes ao Fundo Partidário deixarão a base de dados da Justiça Eleitoral e passarão para a Receita Federal sem acesso público e com critérios diferentes dos atuais. A fiscalizaç­ão também seria dificultad­a.

“O projeto acaba com o Sistema de Prestação de Contas Anual (SPCA), criado em 2018, e permite que os partidos contratem empresas para fazer relatórios dos gastos. A Justiça Eleitoral só poderia

fazer conferênci­as contábeis, formais, checar se as contas batem, não poderia avaliar, como é feito hoje, se um valor pago foi dentro do preço de mercado”, afirma o cientista político.

Isso poderia abrir as portas para os partidos gastarem de forma indiscrimi­nada os recursos do Fundo Partidário. “É cerca de R$ 1 bilhão por ano que engorda o caixa dos partidos, e não das campanhas”, diz Marcelo Issa. “Teve o caso de um dirigente partidário que mandou instalar ar condiciona­do e comprou mantimento­s para uma chácara, tudo com recursos do Fundo Partidário”.

A justificat­iva do projeto é que o trabalho da Justiça Eleitoral seria “simplifica­do” com a contrataçã­o de empresas privadas. “O que querem de fato é permitir a utilização dos recursos do Fundo Partidário para qualquer finalidade. O projeto prevê que

as despesas ficarão a critério da direção executiva do partido”, aponta Issa.

Além disso, não seria considerad­o irregular o uso de menos de 20% do valor do Fundo Partidário para outros fins. “Mesmo que a Justiça Eleitoral identifiqu­e alguma irregulari­dade, se não superar 20% do valor que o partido recebeu, não caracteriz­a irregulari­dade. Tem partido recebendo R$ 200 milhões”, destaca Marcelo Issa. Ele lembra ainda que a proposta reduz de 5 para 2 anos o prazo de prescrição das irregulari­dades detectadas e limita em R$ 30 mil as multas aos partidos.

O cientista político avalia que o projeto pode ser considerad­o inconstitu­cional ao tocar em uma atribuição da Justiça Eleitoral. “Certamente vai ser questionad­o, porque a Constituiç­ão diz que a análise das contas dos partidos é competênci­a da Justiça Eleitoral, não pode privatizar isso. O projeto amarra as mãos da Justiça Eleitoral”.

“COISA DO CENTRÃO”

O senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) diz não acreditar que a votação ocorra neste ano. “Quem está por trás disso é o centrão. O projeto traz uma série de afrouxamen­tos para os partidos,

notadament­e na prestação de contas do dinheiro público que os partidos usam. Acho que esse assunto não vai ser discutido agora, até porque eles queriam apressar no ano passado para aplicar nas eleições deste ano. Isso não vai ser decidido agora”.

Guimarães diz ter um substituti­vo para o projeto. “Precisa reformar sim, ter uma lei eleitoral mais clara, uma lei partidária mais clara, juntar tudo isso em uma peça única e sobretudo acabar com essa bagunça que é esse número de partidos que temos. É um escândalo que de certa forma torna o país ingovernáv­el”. A reportagem da FOLHA entrou em contato com os outros dois senadores do Paraná, Alvaro Dias e Flávio Arns (ambos do Podemos), mas eles não se posicionar­am sobre o assunto.

Alguns senadores estariam tentando passar rapidament­e a proposta na CCJ, para que ela seja aprovada pelo Plenário sem alterações e não precise retornar à Câmara. O relator do projeto é o senador Alexandre Silveira (PSD-MG). Na semana passada, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSDMG), disse que caberá ao presidente da CCJ pautar a votação quando achar convenient­e.

O que querem de fato é permitir a utilização dos recursos do Fundo Partidário para qualquer finalidade”

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Jefferson Rudy/Agência Senado Proposta será analisada na CCJ antes de ir a plenário; senador Oriovisto Guimarães (PODE-PR) não crê que a votação ocorra neste ano
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