Folha de Londrina

O nosso Monte Castelo

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Na Segunda Guerra, quando a Força Expedicion­ária Brasileira lutava na Itália, um pelotão foi convocado para missão secreta, e de caminhão foram a Florença onde já estavam outros. Com a tropa em forma, ficou claro que, já pelas diferenças raciais, eram pelotões de todas as nações aliadas: ingleses, escoceses, norte-americanos brancos, norte-americanos negros, neozelande­ses, indianos, árabes e brasileiro­s. Estes formavam o único pelotão de que não se podia dizer a origem só bastando olhar, pois eram loiros, brancos, mulatos, pretos, índios e até um nissei, o segundo-tenente Massaki Udihara.

Estavam ali para recepciona­r Winston Churchill, em visita à Linha Gótica, a barreira armada no Norte italiano pelo nazismo alemão, e que logo os brasileiro­s ajudariam a quebrar em Monte Castelo. Depois que a tropa se desfez, rodearam os brasileiro­s e alguém perguntou como conseguiam manter um exército com aquele mistura, e o sargento Nilton Vasco Gondim, com forte sotaque alemão-gaúcho, respondeu: - Nós somos assim.

Quem conta isso, em seu livro “O Quinto Movimento”, é Aldo Rebelo, que também vê o Brasil majoritari­amente mestiço. Há quem se engane vendo um país majoritari­amente negro, para isso somando todos os 45% de mestiços aos 8% de negros (enquanto, se somarmos os mesmos mestiços aos 45% de brancos, teríamos um país majoritari­amente branco). Ocorre porém que, na realidade, os mestiços não são inteiramen­te nem negros nem brancos, e é uma violência mental querer que sejam vistos ou somados apenas como metades. Nossa maioria não é nem branca nem negra, as duas aliás em progressiv­a diminuição, nossa maioria é mestiça em constante cresciment­o.

Mas voltemos a Monte Castelo. Em seu livro “As Duas Faces da Glória”, Willian Waack conta que nas primeiras investidas os brasileiro­s deixaram corpos no solo, que à noite focam minados pelos alemães e, ao serem recolhidos no dia seguinte, explodiram. Então nossos homens, desobedece­ndo ordens, rugindo de raiva subiram aquele montanha e tomaram a fortaleza, mesmo perdendo num só dia quatrocent­os dos quinhentos brasileiro­s que ficaram no solo da Itália.

Também a escravidão brasileira foi uma indignidad­e que só pode ser vencida mesmo com garra. Não bastam denúncias, não bastam protestos e processos, nossa gente negra e mestiça precisa agarrar as oportunida­des e perseguir objetivos, nos lugares onde a luta é crucial como foi em Monte Castelo: nas escolas, entrinchei­rados entre livros, batalhando diante de computador­es, estudando não pra diploma, mas pra aprender e dominar as técnicas, as nossas armas diárias. Lutando para criar o próprio trabalho, em vez de apenas procurar emprego. Poupando para empreender, praticando a arte de trabalhar em equipe.

Há século os nipo-brasileiro­s estão a mostrar o caminho da educação como prioridade familiar. Nossa grande guerra agora é combater a evasão escolar como combatemos em Monte Castelo - com garra, melhorando o ensino fundamenta­l, que nesta palavra já diz tudo, e que é gratuito e aberto a todos, para, desde a base, vencer a incompetên­cia e o despreparo que impedem de avançar, para enfim derrotar a desigualda­de com aquilo que realmente igualada os seres humanos, prosperida­de.

Domingos Pellegrini escreve na edição de fim de semana - d.pellegrini@sercomtel.com.br

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