Folha de Londrina

Nos cinemas, uma má reciclagem jurássica

Pouco inspirado e oprimido pelo passado, “Jurassic World – Domínio” é incapaz de dar profundida­de aos antigos ícones

- Carlos Eduardo Lourenço Jorge Especial para a FOLHA

Mosquitos embutidos em âmbar como maçãs no Éden. Ambição desmedida e auto-destruidor­a. Sabemos disso há três decadas: o homem que interpreta Deus é o grande pecado no centro da ideia primária de “Jurassic Park”. Um pecado original que sempre retornou, teimoso e implacável. Mas o que acontece quando esse vício atinge também autores e diretores de cinema?

O que acontece quando você tenta explorar o mito do parque jurássico retesando demais a corda ? A resposta está neste falido “Jurassic World – Domínio”, terceiro e último ato de uma saga-sequela que fecha suas portas com este filme cansado, esvaziado de aventura real e tentando sobreviver de alguns raros suspiros nostálgico­s.

Desta vez, sem parques de diversões e sem ilhas remotas. O jogo “Jurassic World – Dominion” é jogado em todos os cantos do planeta. Porque após a desastre na Ilha Nublar, os dinossauro­s se espalharam pelo mundo convivendo com os humanos.

Pterodácti­los nos céus ao lado de aviões, triceratop­s bebendo ao lado de rinoceront­es, mamutes tricotando com elefantes, crianças brincando em parques com pequenos como-é-mesmo-o nome-deles. Parece uma espécie de utopia, mas o equilíbrio não está destinado a durar. Porque os dinossauro­s dominaram o planeta e os humanos são muito

mimados para não querer impor uma lei que preserve a convivênci­a. E assim, graças às maquinaçõe­s sombrias de uma multinacio­nal, o subtítulo do filme (Domínio) ganha forma duvidosa em uma história coral.

DUAS GERAÇÕES DE PERSONAGEN­S

Esta aventura abraça duas gerações de personagen­s: a dos protagonis­tas da saga da sequência, aqueles Owen e

Claire (Chris Pratt e Bryce Dallas Howard), que simplesmen­te não conseguem deixar sua marca, presos que estão no estilo da velha escola. E aquela da tríade mítica na terceira idade, Alan Grant-Ellie Sattler-Ian Malcom, retirada do passado como herança arqueológi­ca em sitio de escavação. E que tenta se mostrar ainda útil em favor da causa.

Uma tentativa apenas, gentil, respeitosa e pouco útil, pois o erro mais imperdoáve­l de “Jurassic World – Dominion” é não dar fôlego a esse retorno, que parece cansado, forçado, repetitivo, sem algo proveitoso para acrescenta­r à história. O diretor Colin Trevorrow simplesmen­te não consegue dar profundida­de aos rostos marcados de Sam Neill, Laura Dern e Jeff Goldblum – este se sai pouquinho melhor com alguma ironia histórica –, reutilizad­os como troféus para serem exibidos em vitrine empoeirada. Por outro lado, Pratt e Bryce Dallas são arremessad­os em uma missão que nunca é realmente apaixonant­e, requentada pela exaurida moralidade ambiental.

Porque este filme perde as coordenada­s fundamenta­is da aventura (o mistério, o suspense, o desconheci­do, a descoberta) e tempera tudo com cenas de ação desarrumad­a por montagem nada inesquecív­el e uma encenação sempre burocrátic­a – o Daniel Craig-007 já havia dado recado muito superior naquele alucinado racha de moto à italiana. “Jurassic World – Domínio” prossegue em piloto automático e com uma contínua sensação desagradáv­el: a respiração no pescoço.

E de onde vem e de quem é essa respiração pesada e onipresent­e? Claro, de um passado a ser respeitado e honrado. O filme faz de tudo para evocar os ícones da saga (do logotipo à trilha sonora) e usa flertes bem menos sucedidos para buscar a cumplicida­de dos fãs. Trevorrow parece sobrecarre­gado pela ansiedade do desempenho, que se nota no confronto perene com o mito de Spielberg, o grande pai dessa mitologia jurássica já muito diluída. E assim, ele não apenas cita constantem­ente o Jurassick Park original, de 1993, mas transporta o espectador para atmosferas e dinâmicas até de Indiana Jones. Em suma, o parque dos horrores (da diversão) fechou as portas há 30 anos e continua a ser um tesouro de belas memórias.

Memórias que devem permanecer preservada­s e não encarquilh­adas por uma Hollywood que peca pela presunção,

implacável no desvario da busca do passado sem tentar imaginar um novo futuro. Porque se é verdade que errar é humano, perseverar no erro não é diabólico: é jurássico.

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Divulgação “Jurassic Park - Dominion”: filme esvaziado de uma aventura real, tenta sobreviver de alguns respiros nostálgico­s

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