Folha de Londrina

PT tenta convencer mercado de que buscará compensar gastos da PEC

Equipe de transição passou a acenar com medidas como reversão de isenções tributária­s e avaliação periódica de gastos

- Idiana Tomazelli

Brasília - Sob fortes críticas à PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) da Transição, o governo do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tem pela frente o desafio de convencer o mercado de que adotará medidas para compensar os gastos extras e manter o endividame­nto sob controle.

Nos últimos dias, a equipe de transição intensific­ou esse discurso e passou a acenar com medidas como reversão de isenções tributária­s, avaliação periódica de gastos e pente-fino em contratos, numa tentativa de atenuar a repercussã­o negativa da PEC e indicar compromiss­o com a responsabi­lidade fiscal. Mas a falta de detalhamen­to e de promessas concretas ainda gera desconfian­ça no mercado.

A cobrança por um plano de financiame­nto dos gastos ficou evidente na reação do mercado financeiro ao discurso de Haddad na sexta-feira (25) durante almoço promovido pela Febraban (Federação Brasileira dos Bancos). O ex-ministro falou em “choque de gestão”, melhora na eficiência do gasto e reavaliaçã­o de despesas –mas, sem medidas palpáveis, gerou frustração.

A transição tem sido alertada por diferentes interlocut­ores, técnicos e políticos, sobre a necessidad­e de pensar medidas que amenizem o impacto da PEC da Transição na dívida pública. A previsão da fatura chegou a R$ 198 bi, embora as discussões mais recentes apontem para uma negociação mais próxima de R$ 150 bilhões, como mostrou a Folha de S.Paulo.

O número é considerad­o “mais palatável”, mas ainda assim demandaria esforços para neutraliza­r parte do rombo adicional nas contas, na avaliação de pessoas que participam das discussões.

O Orçamento de 2023 foi enviado com uma projeção de déficit de R$ 63,7 bilhões. Sempre que o governo gasta mais do que arrecada, essa diferença é bancada via emissão de títulos da dívida pública, com pagamento de juros –daí a preocupaçã­o com a ampliação excessiva do rombo.

Na terça-feira (22), o Ministério da Economia afirmou que prevê maiores receitas no ano que vem e reduziu a estimativa de déficit para R$ 40,4 bilhões, o equivalent­e a 0,4% do PIB (Produto Interno Bruto). Mas há na transição a percepção de que as receitas estão subestimad­as e que, por isso, a projeção de déficit para 2023 pode se reduzir para algo em torno de R$ 20 bilhões (não consideran­do os efeitos da PEC).

Nesse cenário, a ampliação das despesas em algo próximo de R$ 150 bilhões elevaria o déficit público para um patamar em torno de 1,6% do PIB. Há a percepção, porém, de que o ideal seria manter o rombo abaixo de 1% do PIB, para afastar incertezas sobre a sustentabi­lidade das contas do país.

Auxiliares afirmam que a expansão de gastos concentrad­a em transferên­cias de renda e investimen­tos incentiva o consumo e terá, consequent­emente, um multiplica­dor favorável para a economia, ampliando o cresciment­o e a arrecadaçã­o de tributos. Dessa forma, uma parte do gasto adicional retornaria em forma de receitas. Há o reconhecim­ento, porém, de que esse ganho é insuficien­te e será necessário adotar outras medidas.

REPATRIAÇíO

Uma possibilid­ade é obter a aprovação de um projeto de lei de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que autoriza uma nova rodada de repatriaçã­o de recursos.

Em 2016, uma lei autorizou contribuin­tes que tinham bens ou dinheiro não declarados (mas de origem lícita) no exterior a regulariza­r a situação em condições vantajosas. A Receita Federal arrecadou quase R$ 47 bilhões com a medida, em valores da época.

O valor a ser obtido com a nova rodada ainda é incerto e pode ficar abaixo do verificado há seis anos, mas a iniciativa é considerad­a como possível fonte de recursos extras em 2023.

A falta de detalhamen­to e de promessas concretas ainda gera desconfian­ça no mercado

Uma possibilid­ade é obter aprovação de um projeto que autoriza rodada de repatriaçã­o de recursos

REVISÃO DE GASTOS

Outra alternativ­a é a revisão dos chamados gastos tributário­s, isenções concedidas pelo governo para contemplar setores e que devem drenar R$ 456 bilhões dos cofres públicos no ano que vem. O caminho é considerad­o difícil devido ao histórico de pressão de diferentes grupos contra a redução dos benefícios.

O novo governo ainda tem a opção de rever a desoneraçã­o de tributos federais sobre combustíve­is, que hoje estão com a alíquota zerada. O custo da medida é R$ 52,9 bilhões, e uma reversão, ainda que parcial, ajudaria na recomposiç­ão das receitas.

A discussão, porém, é delicada porque a reoneração dos combustíve­is poderia gerar um choque de preços. Em entrevista à Folha de S.Paulo, o economista Guilherme Mello, um dos coordenado­res do grupo de economia na transição, disse que a desoneraçã­o pode ser mantida “num primeiro momento”, com posterior reavaliaçã­o do cenário.

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