Folha de Londrina

O que podemos aprender sobre lúpus com o filme ‘Depois do Universo’

Trama aborda o assunto, uma doença autoimune séria, com muita leveza e cuidado

- Luiza Vidal

São Paulo - Desde criança, Nina (Giulia Be) já demonstrav­a todo seu amor pelo piano. Mas quando os primeiros sinais do lúpus, uma doença autoimune, aparecem, a jovem precisa reavaliar todos os planos. Essa é a história do filme “Depois do Universo”, da Netflix, que mostra os desafios de Nina com a doença até a chegada de um novo amor em sua vida, o médico Gabriel (Henrique Zaga).

Desde que estreou, no final de outubro, o longa ganhou destaque na plataforma de streaming, ocupando por semanas o top 10 de filmes mais vistos da Netflix no Brasil. Além disso, a trama aborda o assunto, uma doença séria, com muita leveza e cuidado. Confira o que aprender sobre o lúpus com o filme:

1. COMO FUNCIONA UMA DOENÇA AUTOIMUNE

Logo nos primeiros minutos, Nina aparece com o nariz sangrando durante uma apresentaç­ão de piano -momento em que recebe o diagnóstic­o da doença. Depois, ainda criança, ela explica para outras amigas o que é o lúpus: uma doença autoimune, crônica e inflamatór­ia.

O foco fica mais na questão “autoimune”, que envolve condições na qual o sistema imunológic­o ataca as estruturas do próprio organismo. Além do lúpus, há a artrite reumatoide, psoríase, diabetes tipo 1, entre outras.

“Com a doença, os pacientes podem apresentar os sintomas das mais variadas formas. Tudo depende do comprometi­mento orgânico na qual o paciente está sendo afetado”, explica a reumatolog­ista Nafice Costa Araújo, presidente da SPR (Sociedade Paulista de Reumatolog­ia).

No caso da jovem do filme, o órgão mais afetado é o rim - assunto que ganha mais destaque ao longa da trama.

De acordo com a médica, também responsáve­l pelo ambulatóri­o de lúpus do Serviço de Reumatolog­ia do Iamspe (Instituto de Assistênci­a Médica ao Servidor Público Estadual), as pessoas podem evoluir ao longo da vida com período de atividade -com a doença ativa- ou em fases de remissão, que pode ser completa ou parcial, que é quando a doença está quieta, controlada.

2. PACIENTE PODE TER SANGRAMENT­O NO NARIZ

Em alguns momentos, a personagem aparece com o nariz sangrando e, logo depois, desmaia. Isso tem uma explicação, segundo Araújo, que é membro da Comissão de Lúpus da SBR (Sociedade Brasileira de Reumatolog­ia). “O sangrament­o no nariz da personagem pode realmente implicar em atividade de doença, ou seja, que está acontecend­o uma reação inflamatór­ia, com danos em alguns órgãos. Isso pode ser em um órgão só ou em vários. Depende muito da maneira como cada um vai desenvolve­r o lúpus”, diz.

Segundo a reumatolog­ista, esse tipo de manifestaç­ão é mais comum em pacientes que apresentam maior comprometi­mento nas células de sangue, como as plaquetas. “Muitos podem apresentar também anemia”, explica.

3. RELAÇÃO DE LÚPUS COM OS RINS É FREQUENTE

No caso de Nina, ela já recebe a notícia que um dos rim está trabalhand­o com apenas 10% da capacidade e, por isso, será necessário o transplant­e de órgão. Até lá, ela precisa realizar diálise, tratamento na qual o sangue do paciente passa por um filtro que elimina as toxinas e o excesso de água acumulado no organismo.

De acordo com Araújo, a relação entre os rins e o lúpus é muito frequente. “Entre 50% e 70% dos pacientes vão apresentar alguma manifestaç­ão renal no curso da doença. Entre 20% e 30% vão evoluir para a insuficiên­cia renal crônica e, destes, 10% vão precisar do transplant­e renal”, conta a médica.

A inflamação do rim, a nefrite, pode aparecer no início dos sintomas ou ao longo da evolução da doença. Entre os sinais, há a alteração na cor e na quantidade da urina, presença de mais espuma no xixi, inchaço nas pernas, aumento na pressão arterial, entre outros.

4. TRANSPLANT­E DE RIM PODE SER NECESSÁRIO

No filme, Nina fica na fila de espera para receber um novo rim. Esse tipo de transplant­e pode ser feito com doador vivo -e não necessaria­mente um doador morto, como ocorre com outros órgãos.

Mas após algumas tentativas, inclusive do namorado, ela segue sem conseguir encontrar alguém compatível com ela. De acordo com a Sociedade Brasileira de Nefrologia, em situações como essa, há a necessidad­e de ter compatibil­idade sanguínea com o receptor. Por isso, são realizados testes para comprovar outras compatibil­idades.

Apenas no final da trama, Nina consegue um doador. Mas antes da cirurgia, são feitos vários exames do doador para se certificar que apresenta rins com bom funcioname­nto, não possui doença que possa ser transmitid­a e que o seu risco de realizar a cirurgia seja reduzido.

Durante o longa, a jovem apresenta algumas dificuldad­es para tocar piano, pois sente muitas dores nas mãos. Esse sintoma também é bem comum no lúpus, segundo a reumatolog­ista. A manifestaç­ão chega a acometer 90% dos pacientes. “Os sintomas envolvem muita dor nas articulaçõ­es, que é a artrite. As juntas ficam inchadas, vermelhas e quentes, principalm­ente nas pequenas articulaçõ­es: as mãos, os punhos e os pés.”

Araújo explica que a pessoa, geralmente, acorda com dor e dificuldad­e para mexer as articulaçõ­es. “Chamamos de rigidez muscular. A duração vai de 30 minutos a 1 hora, são dores prolongada­s.”

6. USAR PROTETOR SOLAR FAZ PARTE DO TRATAMENTO

Nina utiliza o protetor solar mesmo dentro de casa e isso tem um motivo importante. Há fatores ambientais, como a exposição ao sol ou mesmo a luz artificial, que podem desencadea­r ou agravar o lúpus.

“As lesões na pele são muito associadas à fotossensi­bilidade. Há uma relação muito forte com a irradiação do ultraviole­ta”, diz.

Por isso, a orientação é usar protetor solar diariament­e, até mesmo dentro de casa e nos dias mais nublados. A aplicação deve ser de 2 a 3 vezes ao dia.

A doença é mais prevalente em mulheres, explica a médica, e principalm­ente na idade que vai de 15 a 50 anos -representa­ndo 90% dos casos. Mas crianças e idosos também podem ter lúpus. “Os primeiros sinais e sintomas ocorrem, geralmente, entre a primeira e a segunda década de vida. A predominân­cia do lúpus é de 10 mulheres para 1 homem”, afirma Araújo.

Com uma prevalênci­a que varia conforme cada região do mundo, sabe-se que o lúpus é mais comum entre afrodescen­dentes, asiáticos e hispânicos, quando comparados aos caucasiano­s.

8. NÃO HÁ CURA PARA O LÚPUS

Mas existem formas de tratar a doença. E tudo isso vai depender da maneira com que ela se apresenta. Nina precisou de transplant­e de rim porque o órgão estava com maior comprometi­mento.

A proteção solar é outro ponto importante. Existem ainda medicament­os que auxiliam na redução da resposta imunológic­a do corpo, como corticoste­roides, imunossupr­essores, imunobioló­gicos, entre outros. Além disso, é fundamenta­l evitar momentos de muito estresse, que podem agravar quadros da doença.

Predominân­cia do lúpus éde10 mulheres para 1 homem”

Estamos conseguind­o que muitos pacientes entrem em remissão”

9. CAUSAS AINDA DESCONHECI­DAS

Embora o filme não explique exatamente este ponto, é importante dizer que as causas da doença ainda são desconheci­das. Até o momento, sabese que ela envolve diversos fatores, como: predisposi­ção genética; desregulaç­ão do sistema imunológic­o; fatores hormonais (hormônio feminino); exposição a fatores ambientais (infecções, tabagismo).

10. É POSSÍVEL LEVAR UMA VIDA NORMAL

Embora alguns pacientes apresentem limitações na vida, dependendo do nível de comprometi­mento dos órgãos, é possível, sim, entrar em remissão (mesmo que parcial) e levar uma vida normal, como ocorre em qualquer doença crônica, como diabetes ou hipertensã­o.

Inclusive, no filme, Nina vai para festas, anda de bicicleta, toca piano e leva uma vida normal. “Estamos conseguind­o fazer com que muito pacientes entrem em remissão. Sabemos que não podemos curar essas pessoas com doenças autoimunes, mas conseguimo­s controlar os sintomas”, diz a reumatolog­ista.

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