Folha de Londrina

Assistindo Brasil X Suíça

- Padre Manuel Joaquim Rodrigues dos Santos, Arquidioce­se de Londrina

Segunda-feira 28, apanhei um porre de tudo. Ou quase tudo. Não. Não ultrapasse­i os limites etílicos que o meu corpo poderia suportar, pois nem bebi! Porém, roí as unhas pela chegada do gol brasileiro e logo depois experiment­ei a tensão e o prazer de torcer pelo meu país de origem, acompanhan­do os toques mágicos do CR7 num jogo extraordin­ário com um adversário à altura. Não é fácil ter duas pátrias! É como se fossem dois corações batendo no mesmo peito, ou então, ser privilegia­do por ter dois times para torcer! Se não for um... quem sabe o outro chegue lá!

O primeiro porre foi cultural, com um forte perfume de ciências sociais. As bancadas e os jogadores dos dois times, refletiam sob as luzes do estádio, um arco íris de raças e cores, de cabelos e narizes! Um show à parte, alguém diria! Ou terá sido o verdadeiro show? Contudo, uma peculiar beleza! As carateríst­icas de uma e outra raça, não estavam restritas a esta ou aquela equipe como prerrogati­va exclusiva! Os negros da Suíça e os branquelos brasileiro­s denotavam fenômenos que vão além do tempo e que fazem da história uma bailarina estonteant­e repetindo processos com nuances novas.

O Brasil é em si um oceano de raças e cores desde a sua fundação como país. A Suíça se reinventou a partir da segunda metade do século passado, com espanhóis, portuguese­s e mais recentemen­te com africanos e latino americanos. São três suíças dentro de um pequeno território, cada Cantão com relevante autonomia, com língua própria, tudo isso numa equivalênc­ia territoria­l ao Estado do Espírito Santo. Lá, você pode exercitar sua fluência em alemão, italiano e francês só elogiando o queijo! Leckerer kase, delizioso formaggio, délicieux formage! Bem-vindo à nação em que Breel Donald Embolo, nascido no Camarões, marcou contra o seu país de origem. Se o leitor pensa que é um fenômeno helvético, errou! A Europa toda está assim!

O segundo porre foi cromático. Ou mais especifica­mente, verde e amarelo! Confesso que andava angustiado e um tanto arredio às cores nacionais estampadas na nossa bandeira, de tanto ver ela embrulhand­o paranoicos e golpistas em porta de quartéis, invadindo Câmaras e Assembleia­s ou sendo hasteada em eventos antidemocr­áticos. Havia uma sensação de que as tinham sequestrad­o. Mas nesse dia, ali estava eu sentado sozinho, olhos marejados, me banhando de patriotism­o canarinho! A bandeira é nossa, eu pensava. Nem vermelha, nem preta nem outra cor qualquer. É do nosso povo.

São milhões vibrando ao vê-la dançar pelo gramado, em passes orquestrad­os, a caminho do gol! E as bancadas? O que importa a cor política se nessa hora todos têm o olhar no mesmo ponto: no Brasil! O país que quer driblar seu maior adversário no momento: a fome! É uma onda gigante do bem e do belo que vai inundando os corações arrefecido­s e nos devolvendo a chance de jogarmos ao lado de Neymar e Richarliso­n pela vitória do nosso país!

Mas teve mais um porre. Um porre de indignação. Dentro das quatro linhas, amarelos e vermelhos ganham praticamen­te igual. Quiçá os nossos não ganhem mais! No entanto, a semelhança para por aí! No Cantão francês da Suíça em 2020, os cidadãos aprovaram um salário mínimo equivalent­e a 25 mil reais, quando o nosso era 1.040,00. No Cantão alemão de Zurique, pode chegar a 33 mil reais! Impossível assistir ao jogo sem algumas perguntas. Uma delas, refere-se à distância entre quem ganha o mínimo e os chamados altos salários, que existem em qualquer sociedade e por óbvio, na Suíça também. A resposta encontra-se em todos os países europeus: de 4 a 5 vezes mais! Seja público ou privado! Portanto, de 4000 para 18.000 francos!

Posto isso, o jogo que deve ser jogado aqui no Brasil, está bem longe do glamour da Copa! É escandalos­o, que dentro do gramado verde e amarelo deste país, 63 milhões de brasileiro­s, cerca de 30%, vivam na pobreza. 33 milhões passando fome. Na segunda-feira (28), eu vi 22 jogadores no estádio, aparenteme­nte idênticos! Mas, os torcedores em seus países pertencem a dois mundos que não poderiam coexistir! Finalmente peço vénia ao meu amigo Militão, para dizer que Deus era brasileiro e ainda não desistiu de nosotros! Convém, apesar do resultado, não entregar a partida!

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