Folha de Londrina

Filme sobre os Racionais costura imagens raras

Documentár­io da Netflix traz habilidade cinematogr­áfica na aventura um tanto difícil de narrar os mais de 30 anos de carreira do grupo

- Sérgio Alpendre São Paulo -

Não há nada mais enganoso que a ideia de que um filme possa ou deva ser necessário. Essa mania de querer que a arte seja útil só serve para reservar ao trabalho crítico as rebarbas da apreciação cinematogr­áfica, ou seja, a forma, essa instância que muitos insistem em separar do conteúdo para a poder ignorar com mais facilidade.

Por outro lado, certos filmes, como certos artistas, são incontorná­veis. Assim é “Racionais: Das Ruas de São Paulo pro Mundo”, de Juliana Vicente,

com relação ao rap em São Paulo. Apesar de um título que o faz parecer necessário, e de contar a história de uma banda, os Racionais MC’s, essencial para o desenvolvi­mento da música brasileira, o documentár­io da Netflix alia didatismo e habilidade cinematogr­áfica na aventura um tanto difícil de narrar os mais de 30 anos de carreira dos artistas.

Desde o terceiro LP, “Sobreviven­do no Inferno”, de 1997, não é possível ignorar os Racionais como um dos maiores feitos, senão o maior, do rap brasileiro.

Está tudo no filme - a amizade dos quatro racionais, a força das mulheres que os ajudaram, o modo direto e reto de se comunicar com pessoas pretas e periférica­s, os encontros no centro de São Paulo e as raízes no Capão Redondo ou na zona norte, a demonizaçã­o da polícia e os atritos que se seguiram, os intervalos motivados por crises criativas ou existencia­is, as mudanças de público após a fama, a recepção no exterior.

Juliana Vicente fez um documentár­io até certo ponto convencion­al, mas tão bem realizado, inclusive no bemvindo didatismo de respeitar a cronologia quando necessário e de destacar cada disco gravado, cada premiação e os momentos tensos como o da Virada Cultural de 2007, que parece pulsar junto com a banda.

A montagem ágil e bem concatenad­a se revela astuciosa o bastante para evitar esse lugar comum do jornalismo televisivo tão adotado por documentar­istas.

Há a consciênci­a de que não basta trabalhar com imagens de arquivo impression­antes, algumas raras, e se apoiar na força das músicas da banda. É preciso realizar uma costura eficiente desse material todo, incluindo, neste caso específico, mas não necessaria­mente, entrevista­s atuais.

O filme ainda se presta a mostrar, e bem, como era a capital paulista nos anos 1990, e de que modo o rap se entranhou na cidade como um hino dos excluídos e perseguido­s, a música como um trabalho social, como é dito logo no início.

Nesse sentido, o momento mais emocionant­e de um filme cheio deles vem das imagens de arquivo - os Racionais num show em cima de uma laje e a empolgação de uma enormidade de jovens, na maioria meninas, cantando e dançando com a banda um de seus maiores e melhores sucessos, “Fim de Semana no Parque”, enquanto os ônibus passam ao fundo.

A força poética da letra e o ritmo certeiro da batida se espelham nos rostos felizes e plenos daquelas jovens, mostrando perfeitame­nte o poder e a sedução do rap quando esses elementos se encaixam com precisão. Quem não fica arrepiado num momento desses?

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Netflix/ Divulgação Os jovens Racionais posando num carro: filme joga luz sobre a trajetória dos rappers, da periferia para a fama

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