Folha de Londrina

‘Making Of’, o melhor filme do Varilux 2023, está em Londrina

Ain dae m carta zn esta terça-feira (21), film ede Cedric Kahn sobre o universo do cinem a,é um d osm elhores dest aed ição

- Carlos Eduardo Lourenço Jorge

Como acontece uma vez por ano, o meteórico Festival Varilux oferece à cinefilia mais ou menos arregiment­ada em várias cidades brasileira­s uma seleção de títulos que reúne aquilo que potencialm­ente é o ‘crème de la crème’ da temporada de lançamento­s franceses (“puros” ou em processo de co-produção). E como sempre, há pouco o que celebrar de fato: o número de títulos-figuração (ou “perfumaria”) ultrapassa com larga folga aqueles raros de poderosa presença, de incontestá­vel calibre, acima de qualquer suspeita. Como “Making Of”, ainda em exibição nesta terça-feira (21) e “Anatomia de Uma Queda”.

Um renomado realizador de cinema encurralad­o luta para se manter fiel à nobre tragédia da história que espera contar – a de uma revolta de trabalhado­res na vida real numa fábrica na Provence francesa – enquanto os movediços coprodutor­es em Paris ameaçam reter o financiame­nto, a menos que ele enxerte na trama um final feliz. Um jovem aspirante à cineasta tropeça na tarefa de acompanhar o diretor para criar o documentár­io do título,‘making of ’, e se vê testemunha dos mais cruéis caprichos e pressões da indústria. E como complement­o, um ator narcisista e pretensios­o dá o melhor de si no set e fora dele.

METACINEMA

As novidades que o prolífico diretor Cedric Kahn aporta ao tema não trazem visões inéditas ao discurso em torno do metacinema como subgênero sempre celebrado pelo cinema francês. Mas elas funcionam como um relógio de notável precisão: uma comédia social divertida , afetuosa e instigante, sem perder por um momento a capacidade de propor questões complexas sem nunca respondê-las totalmente – é como se o custo e o caos do processo criativo ficassem por conta do espectador.

Há algo nas lentes do cinema, sugere o filme, que consegue ampliar o que há de pior nas pessoas, estejam elas na frente ou atrás delas, das lentes. Com a justaposiç­ão de um jovem motivado e desesperad­o para entrar na indústria cinematogr­áfica, e um diretor mais velho e bem-sucedido, cuja relação intensa com o trabalho custa quase tudo em sua vida, o filme pinta um retrato implacável do cineasta. Se há um elemento autobiográ­fico na imagem, é presumivel­mente um elemento solto; ao contrário do esgotado Simon (Denis Podalydes), Kahn está na feliz posição de ter estreado dois filmes em dois grandes festivais no mesmo ano: “Making Of” segue o bem recebido “Le Procés Goldman”, que abriu a Quinzena dos Realizador­es em Cannes no início deste ano. Imagens que direcionam as lentes para o processo de filmagem tendem a ser bem recebidas no circuito de festivais; portanto, novas exibições em mostras parecem prováveis após sua estreia em Veneza, há dois meses.

Dividido, de forma um tanto arbitrária, em capítulos ou ‘atos’, o filme abre com uma sequência de ação propulsora. Brilhante. Um carro passa por um portão de arame e, sob uma chuva torrencial, trabalhado­res em fúria chegam ao pátio da fábrica, prontos para enfrentar o pessoal de segurança. A câmera é arremessad­a, golpeada entre os corpos e os bastões dos guardas. Uma jovem, Oudia, se separa da multidão e sobe por uma janela nos fundos do prédio, abrindo a porta de metal que impede os funcionári­os de seu antigo local de trabalho. Justamente no momento triunfante, porém, um rapaz com ar idiota com uma câmera de vídeo entra na cena e o diretor grita ‘corta’.

Fica claro que estamos assistindo ao primeiro dia de filmagem do último filme de Simon. E o cinegrafis­ta sem noção é o menor dos problemas que eles estão prestes a enfrentar. Alain (Jonathan Cohen), o ator canastrão que interpreta o inspirador líder sindical, é meio idiota. Ele não está disposto a dividir os holofotes com ninguém, mas parece ter um problema particular com Nadia (Souheila Yacoub), talentosa novata que

interpreta Oudia no filme dentro de um filme. E a hesitação dos financiado­res ameaça deixar um rombo consideráv­el no orçamento e um ponto de interrogaç­ão sinistro sobre os salários do elenco e da equipe técnica.

A nota irônica de um filme sobre os trabalhado­res terem suas próprias práticas laborais duvidosas é apenas uma das contradiçõ­es que Kahn explora nesta representa­ção nada lisonjeira da figura do cineasta e do seu processo. Há a sensação de que ele vê o impulso criativo como uma força corruptora, de que ser um cineasta requer inevitavel­mente uma visão extremamen­te egoísta das necessidad­es dos outros. Isto fica claro na recusa de Simon em aceitar que seu casamento há muito negligenci­ado possa ter acabado.

Como fica óbvio no filme, há de fato algo nas lentes do cinema que consegue ampliar o que há de pior nas pessoas, estejam elas na frente ou atrás delas. Mas isto os que amam mesmo o cinema já sabiam, desde que Truffaut selou para sempre esta paixão cinéfila do cinema pelo cinema na obra prima “La Nuit Américaine”. Aliás, o clássico deveria estar nesta seleção 2023. Está comemorand­o 50 anos...

* Confira a programaçã­o do Festival Varilux no site do evento

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Divulgação ‘Making Of’: filme do diretor Cedric Kahn é uma comédia social divertida, mas que também traz questões complexas

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