O Loro “exorcizado”
A chegada do Loro foi bastante comemorada pela família Mendes; fazia tempo que não havia naquela casa algum fato que envolvesse tantos preparativos!
Primeiro foi o banheiro de empregada que recebeu uma boa limpeza; jogaram fora todas aquelas traquitanas acumuladas durante anos, compraram um poleiro confortável para o Loro se acomodar e providenciaram uma variedade de “petiscos”, adequados ao paladar “refinado” do futuro morador.
Foi a empregada que encontrou o Loro no quintal da casa dela; ela tentou descobrir se ele pertencia a algum morador da redondeza, mas ninguém havia “perdido” um papagaio já de idade avançada.
Como ela não estava disposta a assumir a “maternidade” do desconhecido perguntou se o s. Mendes gostaria de ficar com ele ainda que fosse só por um tempo.
Todos da família gostaram muito da novidade e estavam ansiosos pela chegada do Loro; o filho mais velho do sr. Mendes já estava fazendo a relação dos palavrões que iria ensinar, enquanto o caçula queria que ele cantasse “Parabéns pra você” e o sr. Mendes o Hino do Flamengo, seu time de alma e de coração.
No dia da chegada do papagaio, todos acordaram bem cedo e até o sr. Mendes avisou que iria chegar mais tarde no trabalho.
Assim que viram o espécime, todos queriam que ele falasse alguma coisa: “dá o pé Loro, dá o pé” ; “com quem será” ?, “é big, é big!”. Nada! O papagaio mais mudo que o “criado da cama”. Já estavam começando a ensaiar o “Ylariê” da Xuxa quando a empregada disse que ele devia estar cansado da viagem e, com o passar do tempo, iria falar como um tagarela; mas pensando bem, ela nunca havia escutado um sonzinho vindo do “distinto”.
No dia seguinte, já muito bem instalado e de bucho cheio, o Loro continuava com a sua abstinência verbal e tal fato não estava atendendo em nada as expectativas dos moradores da casa.
Começaram a chegar os amigos dos filhos do sr. Mendes para conhecerem o Loro e queriam que ele pelo menos “desse o pé”. Perda de tempo e de saliva, parecia que ele estava fazendo de propósito.
À noite, quando todos já iam se deitar, numa última tentativa, o sr. Mendes arriscou uma assoviada do Hino do Flamengo e pensou: “Amanhã vou colocar um CD, quem sabe ele gosta”.
Como o sr. Mendes continuava com o firme propósito de “obrigar” o “adotado” a cantar o Hino do Flamengo, nem que fosse só “Meeeeenggoooo” e, conforme havia se programado, na manhã seguinte colocou um CD com um som muito alto. Esse fato irritou bastante o vascaíno que estava limpando o carro na garagem e havia visto o time dele ser desclassificado recentemente.
A desforra veio na mesma hora, ele colocou o alto-falante do carro no máximo – “Vamos todos cantar de coração, a cruz de Malta é o teu pendão ! ...... ”De união Brasil-Portugal !”
O sr. Mendes, que nem por um instante havia pensado em fazer uma competição futebolística auditiva, diminuiu o som e foi ver se o seu álibi havia surtido algum efeito. Começou com o grito de guerra “Meeenggooo!!!”,
“Meeeeeengoooo!!!”, nada, o Loro estava completamente indiferente ao supridor das suas necessidades básicas.
Quando o pai desistiu das suas investidas, chegou o filho mais velho que estava “escolando” o Loro para que ele se tornasse um “Bocage emplumado”: várias tentativas e vários palavrões só que proferidos pelo professor e não pelo pupilo que no máximo enfiava a cabeça nas penas para se coçar.
Antes de dormir, a sra. Mendes, que havia ficado observando à distância todas as estratégias do marido e dos filhos, foi ver se conseguiria com o seu poder de sedução feminino “encantar” o Loro. O papagaio até “deu o pé” mas deu uma bicada também.
Na manhã seguinte quando todos haviam saído, o porteiro, que desconhecia a presença do Loro, tocou a campainha pois o interfone, como sempre, estava com defeito. O Loro que até aquele momento não havia dado um “pio”, perguntou em alto e muito bom som: – Queem é ?
O porteiro respondeu: Valdir
Outra vez : Queem é? E, novamente, o porteiro disse: Valdir
- Queem é?
- Sou eu, Valdir, o porteiro, estou precisando deixar uma correspondência! - Queem é? Quando o porteiro estava nessa pendenga, chegou a empregada que tinha ido fazer compras e não entendeu o que estava se passando.
- “Seu, Valdir com quem o sr. está falando? Não tem ninguém em casa”.
O porteiro disse que havia estranhado a voz e que já estava indo embora. A empregada, percebendo o que havia acontecido pediu para ele ir conhecer o seu “interlocutor de penas verdes” e ficou muito feliz de saber que o seu amigo não era mudo. O porteiro tentou começar com a mesma “ladainha” – “dá o pé Loro, dá o pé” mas de nada adiantou. O papagaio ficou só olhando para ele e não abriu mais o “bico”.
O Loro foi o assunto de todos naquele dia; o filho caçula deu a solução “brilhante” de tocarem a campainha para ver se a cena se repetia e foi o que fizeram; quase queimaram a dita cuja só que, novamente, perda de tempo e dessa vez de energia elétrica: oLoro ao invés de se manifestar aproveitou para cochilar se equilibrando numa perna só.
Mas aquela “surtada esganiçada” parecia que tinha “acordado” o Loro; foi a primeira de muitas outras demonstrações de solidariedade para com a família que já estava “desesperançada” com a “aquisição” que haviam feito. O Loro já havia aprendido a cantar o indefectível “Parabéns”, só que no final, ninguém sabe porquê, ele na sua performance, incluía “Miaaaaaau !!!! ”; de uma hora para outra cismava de implicar com os vizinhos torcedores de outros times – “Meeeengooo !!!! ”.
Descobriu-se também que ele era um galanteador pois “assoviava” “fiufiuuuuu !!!! ” melhor que muito marmanjo. O que o Loro não “falava” nem sob tortura eram palavras de baixo calão. O filho do sr. Mendes, que não havia desistido de transformar o Loro num “desbocado”, tentava articular na linguagem do papagaio os palavrões do dia a dia: nada, absolutamente nada!
Um dia a empregada chegou esbaforida, mais do que de costume, contando que descobrira quem era o antigo proprietário do Loro: é que ele antes residira num convento próximo à casa dela e, segundo disseram tinha um problema “incurável: falava palavrão o tempo todo!
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Oqueo Loro não “falava” nem sob tortura eram palavras de baixo calão