Folha de Londrina

Biden recorre à maconha para ganhar jovens de volta

O democrata está prestes a promover o maior afrouxamen­to da regulação federal da cânabis

- Fernanda Perrin

Washington - O presidente americano Joe Biden resolveu recorrer a drogas na corrida contra Donald Trump. Especifica­mente, à maconha. O democrata, que se destacou durante seus anos no Senado como um apoiador fervoroso da guerra aos entorpecen­tes, está prestes a promover o maior afrouxamen­to da regulação federal da cânabis em décadas.

O movimento é visto pela campanha como uma oportunida­de de recuperar a simpatia dos jovens, grupo essencial para a vitória em 2020, mas que vem se distancian­do de Biden por seu apoio a Israel na guerra Israel-Hamas.

Um gesto simbólico importante ocorreu no início de março, quando o presidente entrou para a história como o primeiro a defender o afrouxamen­to da regulação federal da maconha no tradiciona­l discurso Estado da União.

Sob aplausos de seus colegas de partido, ele destacou que instruiu seu governo “a revisar a classifica­ção federal da maconha e expurgar milhares de condenaçõe­s por mera posse, porque ninguém deve ser preso simplesmen­te por usar ou ter isso em seu registro”.

Há duas décadas, uma menção do tipo seria impensável para um candidato em ano eleitoral, mas a opinião da população mudou tanto que hoje o tema está longe de ser polêmico: 70% dos americanos afirmam que o uso de maconha deve ser legalizado, segundo pesquisa Gallup realizada em outubro.

O percentual é praticamen­te o dobro do registrado em 2003 (34%) e sobe para 79% na faixa etária de 18 a 34 anos. Até entre republican­os, o segmento mais conservado­r do eleitorado, a maioria é favorável (55%).

Junto com aborto, é uma das questões em que a posição do governo Biden está claramente alinhada com a da maioria do eleitorado, enquanto Trump é ambíguo.

Atualmente o uso recreativo da maconha é legal em 24 estados, e o medicinal, em outros 12. Alguns preveem novos plebiscito­s sobre o tema neste ano. Embora os estados tenham autonomia para regular a droga, ela ainda é banida a nível federal - mudar isso exige aprovação do Congresso, algo ainda considerad­o improvável.

Assim, a atitude mais importante tomada por Biden nessa seara foi abrir caminho para a reclassifi­cação da cânabis de uma substância nível 1 (grupo que abarca heroína e LSD, por exemplo) para nível 3 (categoria onde estão analgésico­s como o Tylenol e esteroides).

Em resposta a um pedido de revisão do presidente, o Departamen­to de Saúde recomendou a mudança no final do ano passado, e agora aguarda apenas o posicionam­ento do DEA (a agência de combate às drogas) para prosseguir o que é esperado para as próximas semanas, segundo a imprensa americana.

À parte o gesto simbólico, o maior efeito prático da reclassifi­cação é a redução da carga tributária sobre negócios ligados à maconha. Hoje, a receita federal americana taxa o lucro bruto dessas empresas, mas se a substância migrar para o nível 3, a alíquota vai recair sobre o lucro líquido (receita menos despesas). O setor afirma que isso pode reduzir os impostos pagos em 70% ou mais.

A expectativ­a é que a redução de custos barateie o preço dos produtos finais para o consumidor, tornando o mercado formal mais competitiv­o em relação ao ilegal, que sobrevive vendendo a droga a valores muito menores. Assim, a mudança na classifica­ção ainda pode ser propagande­ada por Biden como uma estratégia de combate ao crime.

Outra consequênc­ia esperada é facilitar a compra de maconha medicinal, porque não seria mais necessário apresentar uma prescrição médica, afirmam os advogados Matt Zorn e Shane Pennington, autores da newsletter “On Drugs”.

A reclassifi­cação é apoiada pela maioria da população (58%) e mais ainda por aqueles com até 26 anos (65%), segundo pesquisa conduzida em outubro pela Lake Research Partners, uma consultori­a encabeçada por Celinda Lake, que trabalhou na campanha de Biden em 2020.

Para ela, os jovens são nesta eleição um grupo de eleitores-pêndulo, ou seja, que podem ser persuadido­s a votar em qualquer um dos partidos. Além disso, os jovens se destacaram por serem mais suscetívei­s a olhar para uma terceira via e por serem o maior grupo que não gosta de nenhum dos dois candidatos.

“E esse grupo é incrivelme­nte favorável e intenso nessa questão [maconha]”, afirmou Lake em entrevista ao site Politico.

Em 2020, Biden superou Trump entre eleitores com menos de 30 anos por uma margem de 24 pontos percentuai­s. Essa vantagem pode cair para 12 pontos, segundo pesquisa New York Times/Siena College realizada no final de fevereiro. O mesmo levantamen­to aponta que 51% do grupo diz simpatizar mais com os palestinos - é a única faixa etária em que essa posição é majoritári­a.

Preocupa também os democratas quantos simplesmen­te deixarão de ir às urnas. Assim, a campanha passou a dar realmente importânci­a à maconha no final do ano passado, após a eclosão da guerra em Gaza.

Desde então, Biden tem falado mais frequentem­ente sobre o tema em seus discursos e emitiu em dezembro uma segunda rodada de perdão presidenci­al a pessoas condenadas criminalme­nte por posse e uso simples de maconha a nível federal - a primeira foi em outubro de 2022.

No mês passado, a vicepresid­ente Kamala Harris promoveu uma mesa-redonda na Casa Branca sobre a política para a maconha. Participar­am da conversa o rapper Fat Joe, o governador de Kentucky, Andy Beshear, o diretor de engajament­o público do governo, Steve Benjamin, e algumas pessoas que receberam perdão federal. Na ocasião, ela chamou a proibição federal de “absurda”.

Junto com aborto, é uma das questões em que a posição do governo Biden está claramente alinhada com a da maioria do eleitorado

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Jim Watson/AFP O movimento de Biden é visto como uma oportunida­de de recuperar a simpatia dos jovens

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