Folha de Londrina

Deterioraç­ão das contas públicas: um alerta ignorado

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Há alguns anos, venho debatendo nas salas de aulas e em meus artigos sobre os riscos da nossa trajetória fiscal, com os maus gastos públicos, a falta de uma reforma administra­tiva e o aumento da relação dívida/PIB.

No mês passado, tivemos uma revelação que não surpreende­u ninguém: o Executivo encaminhou ao Congresso uma modificaçã­o no projeto já enviado para a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentár­ias). Esse movimento sutil, porém, crucial, sinaliza para a continuida­de da clara deterioraç­ão das contas públicas no Brasil.

Vejo essa situação como um alerta que vem sendo ignorado por um governo populista que só pensa em gastar, sem qualidade e responsabi­lidade. Afinal, é por meio de uma gestão fiscal eficiente que se melhoram as relações sociais de toda a população, especialme­nte dos mais vulnerávei­s. Mas o que vemos atualmente é um governo sem caixa, seguindo uma trajetória insustentá­vel de aumento da relação dívida/PIB.

Não adianta querer melhorar as chances dos vulnerávei­s terem um futuro melhor se não há dinheiro no caixa. Responsabi­lidade fiscal não é um fim em si mesmo, mas um meio. É uma condição necessária, embora não suficiente, para que se possa implementa­r políticas sociais sustentáve­is.

O governo federal, portanto, deveria urgentemen­te reduzir a proporção das despesas obrigatóri­as no orçamento e focar na diminuição da relação dívida/PIB. Sem focar no cresciment­o econômico, a pretensão de fazer justiça social se complica.

Os investimen­tos em infraestru­tura, fundamenta­is para o cresciment­o do país, são muito baixos. Hoje, investimos 2% do PIB. Segundo a Associação Brasileira da Infraestru­tura e Indústrias de Base (Abdib), seria necessário investir 4,31% do nosso produto interno bruto, quase R$ 250 bilhões a mais do que o patamar atual.

Para piorar o cenário dos baixos 2% de investimen­tos em infraestru­tura, quase 80% desse montante veio da inciativa privada. Isso é reflexo das elevadas taxas de juros reais e da redução contínua das despesas discricion­árias. Se nada mudar, o orçamento em 2032 será composto 100% por despesas obrigatóri­as, o governo gasta muito e gasta mal!

Colhe-se amanhã o que se planta hoje, e a semeadura não está boa. É crucial diminuir os gastos obrigatóri­os como proporção do orçamento total, para além de fazer avaliações de políticas e tornar o gasto mais eficiente. Como a folha de pagamento é um gasto relevante, é necessário reduzi-la proporcion­almente ao orçamento total, o que demanda uma reforma administra­tiva abrangente, com reflexos também nos subnaciona­is.

O Brasil enfrenta um grave problema fiscal que precisa ser revertido. Apesar de arrecadar como um país rico, temos resultados inadequado­s em questões básicas: saneamento, educação e segurança pública. É hora de redefinir as prioridade­s, mas isso só será possível se tivermos recursos no caixa.

É necessária uma abordagem corajosa para atacar temas sensíveis, como previdênci­a e os mínimos constituci­onais para saúde e educação, se quisermos alcançar o ajuste fiscal necessário para a estabiliza­ção da dívida pública. Afinal, não podemos continuar ignorando os sinais claros de uma crise iminente.

É necessária uma abordagem corajosa para atacar temas sensíveis, como Previdênci­a

Murillo Torelli, professor de Contabilid­ade Financeira e Tributária no Centro de Ciências Sociais e Aplicadas da Universida­de Presbiteri­ana Mackenzie.

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