O ‘ arrocho salarial’, cá e lá
Mas o relatório da OCDE ( íntegra em oecd. org) deixa claro que o abuso na austeridade, como o que se pratica na Europa, pode, sim, ter efeitos colaterais daninhos.
Stefano Scarpetta, diretor de Emprego da instituição, que é essencialmente liberal, diz que o prolongamento de congelamentos ou reduções salariais “pode ter repercussões importantes nos rendimentos dos lares, acentuando assim as dificuldades econômicas” ( o que, de resto, é óbvio).
Diz Scarpetta que “novos ajustes salariais nos países mais afetados pela crise podem acabar sendo con-
Relatório do clubão de países ricos serve de alerta para o risco de adotar a austeridade como religião
traproducentes e, sobretudo em um contexto de inflação próxima de zero, poderiam ter eficácia limitada na criação de emprego”. Podem ainda “acentuar o risco de pobreza” e “provocariam um círculo vicioso de deflação, queda do consumo e menos investimento”.
É o que diz, com menos palavras e clareza, a campanha de Dilma.
É preciso deixar claro, no entan- to, que a avaliação da OCDE é de uma economia, a europeia, que está estancada há anos, em que os juros são negativos e na qual há o risco iminente de deflação, ao passo que o Brasil cresce ( pouco, mas cresce), corre o perigo inverso, o de estourar a meta de inflação, e tem juros indecentes.
O diagnóstico de Scarpetta não se aplica automaticamente ao Brasil, portanto. Mas vale como alerta para não tomar o ciclo econômico que se iniciará em 2015, mesmo que ganhe Dilma, com uma visão religiosa da ortodoxia/ austeridade.
Pisar no freio de maneira abrup- ta, violenta ou prolongada gera efeitos nocivos. Basta olhar para os números da OCDE: o desemprego nos países da zona euro é, na média, de 11,2% ( o dobro do patamar brasileiro). Os países que mais arrocharam salários ( Grécia, Espanha e Portugal) são exatamente os que mantêm mais elevados índices de desemprego, superiores à média de seus pares ( 26,7% na Grécia, 23,9% na Espanha e 14,7% em Portugal).
Detalhe: em nenhum deles, houve redução substancial da dívida pública, uma das principais razões para a adoção dos pacotes de austeridade ( e, no Brasil, para juros obscenos).
Terrorismo eleitoral à parte, o fundamentalismo de mercado, para usar expressão de George Soros, tende a ser mais problema que solução. crossi@ uol. com. br