Fulanizar antes do conteúdo
A PRESIDENTE Dilma sugeriu que em um segundo mandato trocará a equipe econômica. Parece que a motivação é acalmar o mercado, preocupado com a persistente piora dos fundamentos econômicos nos últimos anos.
Trata- se de fulanização da saída de um auxiliar antes que saibamos por que, exatamente, a troca será necessária.
O auxiliar em questão, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, participa do governo desde 2003. Foi ministro do Planejamento, presidente do BNDES e finalmente ministro da Fazenda. No período que ficou no BNDES não havia os vultosos aportes do Tesouro Nacional ao BNDES.
Qual exatamente é o conteúdo da saída do ministro? Algo saiu errado na política econômica? Afinal, a crise internacional sem precedentes não explica todos os nossos problemas? Ou, de fato, precisamos recuar da nova matriz econômica?
Um caso parecido ocorre com a candidatura de Marina Silva. Acandidata tem das mais belas biografias de quantas este país produziu. Tem carga simbólica que, provavelmente, na política brasileira, somente Lula tem.
Mas exatamente o que significa a nova política da candidata? Ela irá criar uma forma diferente de operar a política. O que seria esta nova política? Um governo cesarista ou ela vai melhorar a qualidade da gestão de nosso presidencialis- mo de coalizão, nos padrões que vigoraram ao longo do governo FHC?
Melhorar a gestão do presidencialismo de coalizão significa, como bem apontado em excelente artigo do cientista político Marcus Melo, construir a base de sustentação partidária com menor heterogeneidade ideológica e, portanto, construir um gabinete de ministros com maior proporcionalidade entre a distribuição de cargos e responsabilidades administrativas e o peso de cada partido na base de sustentação do governo.
Quais são exatamente os motivos para a saída do ministro?; o que significa a nova política da candidata?
É a maneira de a gestão da política não se limitar ao varejão cotidiano.
Assim, antes que nós fulanizemos a saída do ministro ou a Presidência da candidata, é importante que estes movimentos sejam dotados de conteúdo político e programático.
Meu colega Mansueto Almeida contabilizou algumas das medidas defendidas pelo programa da candidata Marina e obteve necessidade de aumento da carga tributária de pouco mais de 3% do PIB. Todas as medidas defendidas são meritórias e importantes.
Iremos praticar mais uma rodada de elevação da carga tributária? Não tenho nada contra. Como já me pronunciei mais de uma vez neste espaço, considero que a decisão de elevação da carga tributária não é técnica. Mais ou menos impostos é algo que envolve escolhas que um profissional de economia não foi preparado para fazer. Trata- se de decisão puramente política, sobre a qual cada um se pronuncia na capacidade de cidadão.
Certamente mais impostos é melhor do que inflação. Continuo a achar que somente guerra civil é menos civilizado do que a inflação como maneira de administrarmos o conflito distributivo. Tributar de uns e transferir para outros de forma clara e transparente, como consequência de escolhas do Congresso, é a forma civilizada de gestão do conflito distributivo. Nunca demonizarei o aumento da carga tributária.
A candidatura que defendo, do senador Aécio Neves, descende de um governo que esteve no poder por oito anos. Teve que fazer escolhas difíceis e se haver com a herança de uma década de hiperinflação e de desmonte do Estado em razão das enormes dificuldades que a sociedade enfrentou no período anterior, de redemocratização.
Dentro das circunstâncias e dadas as heranças, avalio que fizemos o melhor possível inclusive na área social, como argumentei na coluna de 17 de agosto. Nosso fulano está repleto de conteúdo.
SAMUEL PESSÔA, formado em física e doutor em economia pela USP, é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV. Escreve aos domingos nesta coluna.