Folha de S.Paulo

Dilma mudando

Se eleitorado dividido ao meio recomenda moderação ao novo governo, estado crítico da economia obriga a adotar orientação diversa da atual

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As manifestaç­ões em favor do impeachmen­t e até da deposição da presidente Dilma Rousseff, embora toleráveis emrespeito à liberdade de expressão, não passam de desvario político. Restringem- se a grupelhos isolados, em mais uma evidência de que o respeito às regras do jogo democrátic­o se enraizou solidament­e no Brasil.

Como costuma acontecer com governante­s vitoriosos por margem estreita de votos, tudo indica que a presidente reeleita tenderá à moderação. Cabe aqui a conhecida analogia entre o poder e o violino, instrument­o que se usa tomar com a mão esquerda, mas se toca com a direita.

Que quase metade do eleitorado tenha condenado sua administra­ção já seria motivo bastante para fazê- la esquecer os arroubos da campanha. Mas há razões mais prementes, traduzidas na notória deterioraç­ão da economia.

No afã de sustentar a bonança que beneficiou o segundo mandato de seu antecessor, a presidente meteu os pés pelas mãos. Adotou um intervenci­onismo errático que gerou distorções, afugentou investimen­tos e solapou a confiança empresaria­l. Colheu inflação alta ( média anual estimada de 6,2% no quadriênio) e crescimen- to raquítico ( de 1,6%).

É hora de mudar, como apregoaram todos os candidatos. Passo decisivo será a indicação, para a chefia da futura equipe econômica, de um nome que imponha respeito ao mercado, anunciada para a segunda metade deste mês.

Ontem mesmo a mandatária disse em entrevista que é preciso “apertar o controle da inflação” e que “sempre haverá gastos para cortar”, dando indícios de uma lucidez que vinha lhe faltando durante o primeiro mandato.

Noflanco político, os problemas não serão menores. Ogoverno terá de se haver com sua imensa base parlamenta­r, sempre sequiosa por cargos e verbas, sempre disposta a chantageá- lo quando as dificuldad­es aumentam.

Nesse capítulo, a melhor política será o rigor republican­o que a presidente encetou no início do primeiro governo, para depois abandonar. Umareal disposição de contribuir para esclarecer e punir as gravíssima­s evidências de corrupção na Petrobras emitiria a mensagem correta, ainda que ao preço de atingir as entranhas do próprio governo.

Quanto à oposição, derrotada mas fortalecid­a nas urnas, esperase que evite tanto a leniência que a desfigurou nos últimos anos, como a tentação de enveredar por uma diretriz de “quanto pior, melhor”. Afinal, competirá a ela fiscalizar e criticar a implantaçã­o de um programa de governo que, ironicamen­te, será emgrande parte o seu.

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