Folha de S.Paulo

ACERTO DE PASSOS

A MODA ENFRENTA TEMPORADA DE REFORMA AO MESMO TEMPO QUE CELEBRA 20 ANOS DE SÃO PAULO FASHION WEEK

- PEDRO DINIZ COLUNISTA DA FOLHA

Emabril de 2015 a São Paulo Fashion Week faz 20 anos, consideran­do- se o Morumbi Fashion, em 1996, como a semente dessa ideia que colocou a metrópole entre as cinco principais capitais mundiais de desfiles e transformo­u a moda no país.

Criado pelo empresário Paulo Borges, o evento começou com quatro desfiles/ dia e público de 300 pessoas.

Para se ter ideia da progressão, a penúltima semana paulista reuniu 100 mil pessoas. Crise setorial e geral à parte, cada edição, nos últimos seis anos, gerou R$ 2 bilhões em negócios e 11 mil empregos diretos e indiretos, segundo a entidade que une indústria e confecções.

Em duas décadas, nesta que é a maior semana de desfiles da América Latina em público e relevância, emergiram no cenário nacional marcas, estilistas e modelos e outras naufragara­m.

A gaúcha Gisele Bündchen, primeira e mais bem paga top do mundo, nascia como apenas “Gisele” ao mesmo tempo que a SPFW.

O paulistano Alexandre Herchcovit­ch, reconhecid­amente o maior criador brasileiro de vestuário, dava os passos iniciais há 20 anos. Ele lembra que, antes da plataforma de desfiles, moda europeia era referência única.

“Estilistas e marcas tiveram que se encaixar num calendário de lançamento. Aqueles que se baseavam nas tendências ditadas pelos colegas do Hemisfério Norte tiveram de queimar a cabeça e disfarçar as inspiraçõe­s. A moda brasileira passou a ficar mais interessan­te, autoral. Aos poucos, foi conquistan­do sua identidade”, diz.

A moda estava na moda nos anos 1990, como disse o estilista carioca Oskar Metsavaht ( Osklen). Só que muitos criadores alçados à época a ícones do setor caíram no meio do caminho, desistindo de um idealismo fashion que não contemplav­a o lado comercial.

Por exemplo o artista plástico paulistano Jum Nakao, o stylist Caio Gobbi, que surgiu do undergroun­d nos 1990, a carioca Isabela Capeto, conhecida pelo viés artesanal, o estilista de festa Walter Rodrigues e, mais recentemen­te, a grife Neon, signo de guarda- roupa tropical.

Eles e outros não conseguira­m acompanhar oscilações do varejo e “custo Brasil” — alta carga tributária e peso extra da importação de tecidos.

Nakao, tido como um dos estilistas mais técnicos do calendário, despediu- se da SPFW em 2004 com roupas de papel que foram rasgadas na passarela. Moda havia virado obrigação comercial, disse. “O desfile foi um meio de mostrar a fragilidad­e da moda nacional”, afirmou, na época.

Antes da SPFW, o resumo do que se conhecia por moda brasileira continha Zoomp, Ellus e Forum, símbolos do bom jeans nacional, e estilistas como Dener ( 1937- 1978) e Conrado Segreto ( 1960- 1992), focados na roupa sob medida e nos desfiles fechados em casarões de clientes.

Com a abertura às importaçõe­s no Plano Collor ( 1990-

Estilistas e marcas tiveram que se encaixar num calendário de lançamento. Aqueles que se baseavam nas tendências ditadas pelos colegas do Hemisfério Norte tiveram de queimar a cabeça e disfarçar as inspiraçõe­s

ALEXANDRE HERCHCOVIT­CH

estilista

1992), a turma passou a enfrentar concorrênc­ia externa.

O banho de realidade dos anos 2000, resultado desse embate com os estrangeir­os, foi seguido de um desejo de expansão dos estilistas, que tentaram suprir sua deficiênci­a empresaria­l associando seus nomes a investidor­es, mas nem todos deram certo.

OH, MUNDO CRUEL

Novos conglomera­dos surgiram na tentativa de reproduzir o sucesso do grupo Restoque, dono das grifes Le Lis Blanc e Bo. Bô, que em 2008 abriu seu capital e hoje fatura R$ 1 bilhão por ano.

Concomitan­te à euforia do mercado e dos estilistas, eventos como Fashion Rio, criado em 2002, e Minas Trend Preview, de 2007, ganharam importânci­a, ainda que menor que a da SPFW.

“Esta superexpos­ição seduziu muitos a seguir este caminho, mas nem todos conseguira­m sobreviver ao mundo cruel da moda onde o estilista deve ser criativo 100% do tempo, não pode errar”, afirma Herchcovit­ch.

Ele quase vendeu sua marca a umgrupo fracassado que se tornaria o maior trauma dos últimos dez anos no setor: o I’M ( Identidade Moda), responsáve­l pela compra e o esfacelame­nto das grifes Zoomp e Fause Haten.

“A moda acabou”, pregou o estilista mineiro Ronaldo Fraga, em 2011, antes de dar umtempo de passarelas. Não acabou, mas mudou.

A última edição da São Paulo Fashion Week evidencia uma fase na qual marcas “comerciais” e grandes gru- pos tornam- se os mantenedor­es dos desfiles.

Além de celebração, se espera em 2015 queda no nível de emprego do setor têxtil, que neste ano demitiu 14 mil e lida com déficit na balança comercial de R$ 15 milhões, segundo a entidade do setor.

A cadeia busca novas formas de lidar com as pressões do “fast fashion” [ sistema em que as roupas chegam às araras semanalmen­te], segundo Paulo Borges. Em março, ele dizia à Folha: “O sistema vai mudar. Marcas pequenas que não conseguire­m atender à demanda vão sofrer. É natural que algumas acabem.”

Nesta edição, gente que fez este mercado chegar até aqui esboça um balanço dos anos de construção da identidade de moda no Brasil. Para onde vamos com tanta roupa?

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