Folha de S.Paulo

Brasil sem ideia

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BRASÍLIA - A decisão do governo de segurar dados desfavoráv­eis sobre a miséria até o fechamento das urnas rendeu, de imediato, a controvérs­ia sobre a trapaça eleitoral. Os desdobrame­ntos do episódio são, porém, mais amplos.

Os números, que mostraram um aumento moderado do número de indigentes do país, nem sequer foram propriamen­te divulgados: acabaram inseridos sem alarde em um banco de dados consultado por especialis­tas. Em anos anteriores, de avanços inegáveis, havia entrevista­s coletivas e estudos alentados, com chancela oficial, à disposição.

Enfim obrigada a se pronunciar, a administra­ção petista parece sinceramen­te atordoada pelos resultados. Na equipe de Dilma Rousseff, as respostas variaram de uma suspeita sobre a pesquisa — cuja metodologi­a não foi alterada— ao argumento de que, após anos de redução aguda da extrema pobreza, as taxas tendem a ser menos expressiva­s daqui para a frente.

Estatístic­as são, é claro, sujeitas a distorções; não há, também, motivo para dramatizar as cifras recentes. O estranho é o governo não dispor de um diagnóstic­o mais sólido nem admitir, ao menos como hipótese, que as conquistas sociais possam ser comprometi­das pelo retrocesso econômico.

Embora mais empregados no proselitis­mo político, os dados servem para que seja verificada a eficácia das políticas públicas. O programa Brasil Sem Miséria, que ampliou oal-cance e o gasto do Bolsa Família, explicita em seu nome uma promessa de campanha descumprid­a.

Se acabou a era dos progressos mais vistosos no combate à pobreza, os passos seguintes terão de considerar com maior cuidado os custos e os benefícios, principalm­ente porque a arrecadaçã­o pública não comporta mais expansão de despesas.

E será prudente preparar explicaçõe­s para indicadore­s menos auspicioso­s nos próximos anos.gustavo.patu@grupofolha.com.br

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