Folha de S.Paulo

Einstein e eu

- CARLOS HEITOR CONY

RIODEJANEI­RO- Comoabela Inês, cantada por Camões, estava eu posto em sossego quando me convidaram para integrar uma comitiva de escritores que participar­ia da Feira do Livro de Frankfurt, em outubro do ano passado.

Há tempos, havia recusado o convite de dois queridos amigos meus, Ênio Silveira e o Jorge Zahar, que sempre comparecia­m àquele evento anual basicament­e dedicado a editores de todo o mundo.

Meti- me no avião da Lufthansa e fui parar numa cidade que eu já conhecia e não admirava. Terminado o evento, fui fazer a minha mala que eu pensava estar pesada, cheia de livros que comprara na própria Feira. Acontece que a mala estava vazia, e, ao tirá- la do armário, perdi o equilíbrio e caí para trás, batendo a cabeça no chão de mármore.

Não senti nada na hora, fiz a mala porque viajaria naquela mesma noite. A viagem foi feita normalment­e, somente quando cheguei em casa, tive dificuldad­e de pegar a chave do meu apartament­o. Caí outra vez e só despertei na UTI de um hospital aqui perto. Foram dez dias de exames e foi constatado um coágulo de sangue no meu fatigado cérebro. Medicado, o resto do organismo igualmente fatigado absorveu o coágulo.

Seria exagero do destino se eu tivesse uma sequela cerebral, bastava a precarieda­de daquilo que chamam de massa cinzenta. Me consolei com o exame feito no cérebro de Einstein, que tinha massa cinzenta pior do que a minha.

Acontece que fiquei sem movimento nas pernas e fui catalogado sumariamen­te como cadeirante. Minha nova situação tem algumas vantagens. Abrem espaços nos aviões, restaurant­es e no trânsito em geral.

Se soubesse disso teria batido com a cabeça muito antes da Feira de Frankfurt. Umconselho genérico que dou a todos: pensem em Einstein e em mim mesmo. Verão como a vida fica mais fácil.

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