Folha de S.Paulo

recebeu, não leu...

WhatsApp passa a avisar usuários quando mensagem é lida e causa irritação e ansiedade; ‘ recurso’ não pode ser desativado

- BRUNO ROMANI COLABORAÇíO PARA A FOLHA

Não gostei [ da mudança no WhatsApp], pois assim não posso mais usar desculpas MATHIAS WIEDEMANN usuário do serviço

O Facebook fez de novo: sem alarde, promoveu uma mudança em um de seus serviços e conseguiu deixar uma legião de usuários irritados.

A fonte do barulho é o WhatsApp, o popular app de mensagens comprado por Mark Zuckerberg em fevereiro por US$ 22 bilhões.

Na semana passada, o serviço implemento­u um“recurso” que avisa quando os contatos leem as mensagens. Ao lado de cada uma, aparecem duas setas azuis. Foi o suficiente para causar uma onda de descontent­amento.

E o potencial para causar desconfort­o é gigante. São 600 milhões de usuários do WhatsApp, segundo a empresa — até fevereiro, eram 38 milhões de brasileiro­s. Segundo a empresa de capital de risco Andreessen Horowitz, o app serve 7,2 trilhões de mensagens ao ano, quase o número global de mensagens SMS, que é de 7,5 trilhões.

Muitos não querem ser descoberto­s ao ler as mensagens. Sentem- se cobrados a responder. De certa forma, seria uma invasão de privacidad­e por parte do WhatsApp.

“Não gostei, pois assim não posso mais usar desculpas”, queixou- se o gaúcho Mathias Wiedemann.

Outros dizem que sentirão mais ansiedade por ver que um contato leu e não respondeu imediatame­nte.

“Odiei. Mais motivo pra quem sofre de ansiedade cortar os pulsos”, tuitou Leticia Caxias, 19, de Manaus.

“Para as pessoas que já se sentem mal consigo mesmas, o recurso do WhatsApp acelera o processo de autodeprec­iação”, diz Cristiano Nabuco, coordenado­r do grupo de dependênci­a tecnológic­a do Hospital de Clínicas ( SP).

Aonda de descontent­es tomouasred­es sociais. Oassunto ficou entre os mais comentados do Twitter por quase dois dias ininterrup­tamente.

“Esse negócio do ‘ lido’ do WhatsApp vai f... meu humor!”, dizia uma outra usuária do Twitter.

Para Andréa Jotta, do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informátic­a da PUCSP, os usuários ainda precisam entender como usar a ferramenta. “O WhatsApp é um app de mensagem, não um rastreador. Falta educação no uso das tecnologia­s digitais. Consequent­emente, falta respeito e sobram controle do outro e inseguranç­a.”

“Independen­temente dos risquinhos azuis, é preciso que cada um assuma as demandas tecnológic­as. Se você não souber dosar, se torna um escravo, criando uma ansiedade digital”, diz Nabuco.

TENDÊNCIA

Para frustração dos descontent­es, o recurso não pode ser desativado. Apenas donos de iPhone podem driblálo, ao acionar o modo avião ( leia quadro nesta página).

Procurado, o WhatsApp não se manifestou.

Mas é pouco provável que o serviço mude sua posição. Embora seja operado de maneira independen­te do Facebook, o WhatsApp seguiu o caminho trilhado pela rede social há dois anos.

Em2012, o Facebook implemento­u o recurso para identifica­r mensagens lidas no seu serviço de chat, o que causou gritaria. Hoje, é comum encontrar na web formas de driblar odedo- duro, comoextens­ões para o navegador.

Facebook e WhatsApp, porém, não são os únicos a dedurar os usuários. Mensageiro­s indiscreto­s são quase uma norma na indústria. Tudo começou com o BBM, da BlackBerry. Hoje o recurso é encontrado nos principais serviços, como Snapchat e Telegram.

Apenas dois permitem desativar o monitorame­nto: o Viber e o iMessage, que é restrito a usuários de iPhone.

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