Folha de S.Paulo

Lições do Muro de Berlim

- LEANDRO COLON LEANDRO COLON é correspond­ente da Folha em Londres. O colunista VLADIMIR SAFATLE está em férias.

No último dia 9 de outubro, encontrei o escritor alemão Wolfgang Knape, 67, na Igreja de São Nicolau, na bela Leipzig. Exatos 25 anos antes, em uma segunda- feira, Knape e 70 mil alemães partiram da igreja para protestar contra o governo comunista da Alemanha Oriental.

Foi a maior manifestaç­ão da história do regime e um passo decisivo para a queda do muro de Berlim um mês depois, em 9 de novembro de 1989.

Pedi a ele para comparar os dias de hoje com aquele período. Não precisou de muitas palavras: “Omais importante hoje é você poder sentar num café, dizer o que pensa, sem se preocupar com quem está atrás ouvindo a conversa”.

O pai da alemã Nadja Smith era um dos espiões da Stasi, a polícia secreta comunista. Tomávamos umcafé quando ela, 35 anos, contou dos livros de história e geografia da infância comunista guardados até hoje em casa.

Mostrou- me então algumas páginas. Nelas, não havia detalhes sobre a Alemanha Ocidental, controlada pelas potências capitalist­as.

Um mapa detalhava a Alemanha Oriental, cidades, principais prédios públicos e rios e citava umatal de “West Berlin” no meio do país comunista.

Até havia menção à Alemanha Ocidental ali do lado. Mas só. Os alunos aprenderam, no máximo, que o vizinho era inimigo e uma ameaça.

De uma hora para outra, a geração de Nadja, pelo menos 3 milhões de alemães, descobriu que o que estudara até então não era bem assim. A história fora manipulada.

É óbvio que, 25 anos depois, o fim do Muro de Berlim não apagou o trauma de quem viveu a ditadura comunista, inclusive as crianças que cresceram na última década de regime. Talvez não tivessem ideia do que ocorria, mas sofreram nos livros escolares o controle da informação, uma das mais nefastas armas de qualquer modelo de ditadura.

Regime totalitári­os, comunistas ou não, ainda perduram nos dias de hoje e crianças provavelme­nte continuam lendo livros de mentirinha como os de Nadja Smith.

Enquanto isso, no Brasil, país que ainda presta contas dos anos de chumbo, há quem flerte publicamen­te com ditaduras como a de Cuba e seu apreço pela restrição da informação. Há também quem não se constranja em pedir abertament­e “intervençã­o militar” simplesmen­te porque não sabe ou não quer respeitar a vontade da maioria nas urnas.

Apesar de suas imperfeiçõ­es, só a democracia, no fim das contas, é capaz de permitir que cidadãos tenham liberdade para defender posições por mais absurdas e desconexas da realidade que possam parecer. E, como lembra o escritor alemão de Leipzig, sem se preocupar com quem está ao lado ouvindo a conversa.

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