Como fica a Cultura?
NA DÉCADA passada o Brasil viveu períodos de entusiasmo comapolítica cultural. Em um momento em que a produção e a circulação da cultura mudavam radicalmente por causa de internet, o país encarou o desafio desses novos temas. Isso despertou interesse internacional por uma visão brasileira da cultura, emergente àquela época.
Concordando ou não com o Ministério da Cultura da década passada, há ao menos de reconhecer que ele estava em sincronia com os grandes debates daquele período.
Essa sincronia foi perdida. OMinC que se conectava ao pulso das questões globais — e buscava uma visão própria para elas— esvaneceu. Te-mas como a propriedade intelectual, a proteção à produção local, o impacto da democratização da tecnologia na base da pirâmide social, a concorrência commídias novas e tradicionais, as assimetrias regulatórias foram sendo deixados de lado em prol de uma política focada na operação burocrática do dia a dia.
Com a troca ministerial, é hora de pressionar de novo o botão “reset” das políticas culturais. O mundo ficou ainda mais complexo. Por exemplo, a produção de conteúdo comercial para web é uma realidade, e o streaming ( como o Netflix e os ser- viços musicais) expande- se no país.
Nesse contexto, vale observar as ações dos ministério de outros países. Um exemplo é o francês CNC ( Centro Nacional do Cinema e da Imagem Animada), análogo à nossa Ancine. Só que, diferentemente dela, apoia novas formas de cultura.
NoBrasil, se o “Porta dos Fundos” bater à porta da Ancine embusca de apoio, dará com os burros n’água. A Ancine só apoia cinema e TV. Para
Com a troca ministerial, é hora de pressionar de novo o botão ‘ reset’ das políticas culturais
fazer conteúdo para web, desenvolver games e avançar em novas plataformas, não há fomento. Já o modelo francês permitiu o surgimento de empresas como a Ubisoft, umdos grandes estúdios de games do pla- neta, responsável por fenômenos como “Assassin’s Creed” e o intrigante “Watch Dogs”. Sucessos globais, como “Heavy Rain”, tiveram apoio direto do CNC. Em outras palavras, nossa visão de “audiovisual” — salvo poucas exceções— ainda remonta a um mundo de antes da internet.
Outra questão é dar continuidade aos avanços. Por exemplo, na regulação do Ecad, entidade que arrecada direitos autorais. O órgão andou desgovernado por anos, até ser condenado em 2013 por formação de cartel e outros ilícitos. Graças à mobilização dos artistas e músicos, o Congresso aprovou uma nova lei reformulando sua regulação. Umadas tarefas do novo ministério é implementar a nova lei, impedindo que as más práticas anteriores se repitam.
Mas o mais importante será pensar grande de novo. Com seu orçamento diminuto, o MinC pode ter impacto de larga escala se souber inspirar e apontar caminhos. Ele está no lugar certo para se debruçar sobre temas estruturantes, conectando- os a outras esferas sociais, da educação à produção de mídia, das periferias à política externa.