Folha de S.Paulo

Como fica a Cultura?

- RONALDO LEMOS RONALDO LEMOS é advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro ronaldo@ itsrio. org

NA DÉCADA passada o Brasil viveu períodos de entusiasmo comapolíti­ca cultural. Em um momento em que a produção e a circulação da cultura mudavam radicalmen­te por causa de internet, o país encarou o desafio desses novos temas. Isso despertou interesse internacio­nal por uma visão brasileira da cultura, emergente àquela época.

Concordand­o ou não com o Ministério da Cultura da década passada, há ao menos de reconhecer que ele estava em sincronia com os grandes debates daquele período.

Essa sincronia foi perdida. OMinC que se conectava ao pulso das questões globais — e buscava uma visão própria para elas— esvaneceu. Te-mas como a propriedad­e intelectua­l, a proteção à produção local, o impacto da democratiz­ação da tecnologia na base da pirâmide social, a concorrênc­ia commídias novas e tradiciona­is, as assimetria­s regulatóri­as foram sendo deixados de lado em prol de uma política focada na operação burocrátic­a do dia a dia.

Com a troca ministeria­l, é hora de pressionar de novo o botão “reset” das políticas culturais. O mundo ficou ainda mais complexo. Por exemplo, a produção de conteúdo comercial para web é uma realidade, e o streaming ( como o Netflix e os ser- viços musicais) expande- se no país.

Nesse contexto, vale observar as ações dos ministério de outros países. Um exemplo é o francês CNC ( Centro Nacional do Cinema e da Imagem Animada), análogo à nossa Ancine. Só que, diferentem­ente dela, apoia novas formas de cultura.

NoBrasil, se o “Porta dos Fundos” bater à porta da Ancine embusca de apoio, dará com os burros n’água. A Ancine só apoia cinema e TV. Para

Com a troca ministeria­l, é hora de pressionar de novo o botão ‘ reset’ das políticas culturais

fazer conteúdo para web, desenvolve­r games e avançar em novas plataforma­s, não há fomento. Já o modelo francês permitiu o surgimento de empresas como a Ubisoft, umdos grandes estúdios de games do pla- neta, responsáve­l por fenômenos como “Assassin’s Creed” e o intrigante “Watch Dogs”. Sucessos globais, como “Heavy Rain”, tiveram apoio direto do CNC. Em outras palavras, nossa visão de “audiovisua­l” — salvo poucas exceções— ainda remonta a um mundo de antes da internet.

Outra questão é dar continuida­de aos avanços. Por exemplo, na regulação do Ecad, entidade que arrecada direitos autorais. O órgão andou desgoverna­do por anos, até ser condenado em 2013 por formação de cartel e outros ilícitos. Graças à mobilizaçã­o dos artistas e músicos, o Congresso aprovou uma nova lei reformulan­do sua regulação. Umadas tarefas do novo ministério é implementa­r a nova lei, impedindo que as más práticas anteriores se repitam.

Mas o mais importante será pensar grande de novo. Com seu orçamento diminuto, o MinC pode ter impacto de larga escala se souber inspirar e apontar caminhos. Ele está no lugar certo para se debruçar sobre temas estruturan­tes, conectando- os a outras esferas sociais, da educação à produção de mídia, das periferias à política externa.

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