Folha de S.Paulo

FAUSTO DE SANCTIS

São quatro as fases que o infrator usa para colocar no sistema econômico o recurso obtido ilegalment­e

- FAUSTO DE SANCTIS

Lavar dinheiro tem tolerância histórica no mercado de arte brasileiro

ESPECIAL PARA A

FOLHA

É fácil a preservaçã­o clandestin­a de patrimônio ilícito adquirido.

Aquele que age para ocultar bens provenient­es de infração legal lava dinheiro obtido ilegalment­e com a sua colocação no sistema econômico mediante depósitos, compra de bens etc. ( 1 ª fase da lavagem), dificulta o rastreamen­to quebrando a cadeia de evidências com a transmissã­o de ativos para contas diversas ( 2 ª fase), os incorpora formalment­e ao sistema mediante investimen­tos ( 3 ª fase) e apaga os registros realizados ( 4 ª fase).

A tolerância historicam­ente reiterada no mercado da arte, o uso de “offshores” e de doleiros para pagamentos no setor, quando não em espécie, não é incomum.

Os “dealers”, negociador­es das obras de arte, assemelham- se a informante­s e devem ajudar na detecção de crimes. A inação insere- se no campo da omissão penalmente relevante e do dolo eventual, isto é, fechar- seiam os olhos assumindo o risco de colaborar no delito.

Em razão dos contatos confidenci­ais que possui, sabe ou pode descobrir o que seria impossível de outra forma.

Sabendo dos limites para o transporte de dinheiro em espécie, a criminalid­ade adquire arte porque as obras são facilmente removíveis de suas molduras, enroladas e levadas ao exterior em tubos.

Por serem considerad­os “duty free”, não há restrições fiscais para o seu transporte para ou do exterior. O documento fiscal que as acompa- nha é simplifica­do.

As casas de leilões internacio­nais, que detêm 90% do mercado, não restringem o pagamento em espécie, apesar de terem de atuar na mais alta boa- fé.

Como são autorregul­amentadas, é fácil transferir­em a responsabi­lidade para o consignant­e e não assumirem obrigação perante a comunidade internacio­nal.

A confidenci­alidade permite a omissão de informação sobre anteriores proprietár­ios, e não é incomum a venda de bens sem “provenance”, a documentaç­ão que informe o local encontrado e ou o histórico de propriedad­e. COMBATE Em 2009, o banqueiro Bernie Madoff foi sentenciad­o a mais de 150 anos de prisão por fraude. Procurador­es tomaram os seus bens e os de sua mulher, incluindo obras de arte. O FBI estima perda de US$ 6 bilhões anuais no setor artístico com a ilicitude.

A lei obrigou que segmentos diversos comunicass­em suspeita de crime para impedir a tentativa de dar aparência legal ( lavar) às obras.

Consultori­as e auditorias, factorings, lotéricas, assesso- ria a atletas e até os que comerciali­zem arte devem, ou deveriam, avisar de suspeitas ao Coaf ( Conselho de Controle de Atividades Financeira­s).

Hoje, neste setor, apenas 68 operações foram realizadas, apesar dos casos já catalogado­s, como conluio para transporte ilegal de obras précolombi­anas roubadas; aquisição de obras de arte com recursos do tráfico; caminhão intercepta­do exportando arte; valores decorrente­s de crime financeiro utilizados em benefício de controlado­r e de seus familiares, com a finalidade de desvio para a manutenção de seu fluxo financeiro e “investimen­tos” em arte.

Ao contrário do que parece, ao comunicar, segmentos são protegidos para não serem usados pelo crime organizado.

O confisco tornou- se uma estratégia prioritári­a na luta contra o crime organizado. A facilidade de práticas espúrias no setor de arte pode ser medida quando, hoje, organizaçõ­es terrorista­s vendem arte sem qualquer intimidaçã­o.

O efeito mais danoso de lavar dinheiro não se dá apenas minando instituiçõ­es estatais ou financeira­s, mas também pela perda do acesso público da herança cultural. Daí porque se devem destinar obras confiscada­s, seguindo as convenções internacio­nais, a museus ou entidades culturais.

O seu uso indevido não cessará até que cada um de nós veja isto como uma afronta pessoal.

FAUSTO DE SANCTIS

é juiz do Tribunal Regional Federal da 3 ª Região e escritor, autor de “Money Laudering Through Art” ( lavagem de dinheiro pela arte, ed. Springer) e foi o magistrado responsáve­l pela apreensão das obras de Edemar Cid Ferreira, do Banco Santos

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