Transição para a maturidade
A prática de trote aos ingressantes nas universidades do país causa inevitavelmente episódios de violência nesses tempos de inauguração de ano letivo.
Ainda que sejam eventos indesejáveis, a proibição ou o estrito controle desse costume universitário passa longe de significar um bem coletivo. Bem ao contrário, uma coibição excessiva somente serve para insuflar o lento processo de infantilização e paternalismo que submete a nossos estudantes. Processo que já vitimiza toda a sociedade.
Dizer que o trote aproxima- se de um ritual de passagem ao jovem calouro é algo tão cristalizado como verdadeiro, ao menos se resgatamos seu sentido original.
Para o ingressante — e aqui não posso deixar de invocar minha experiência— é momento de notar que se inaugura uma nova relação com a instituição de ensino, com colegas e a própria sociedade. Pais ou bedel são agora impotentes frente aos veteranos, e a defesa a possíveis agressões deve, ou deveria, passar pelos meios de repressão próprios do Estado apenas quando dotadas de gravidade penal.
A revolta generalizada contra os abusos nos trotes origina- se assim na bifurcação de uma mesma raiz elitista. Primeiro a certeza de que o Estado não pune com o devido ri- gor o autor da violência universitária que, visto por olhos isonômicos, comete atos típicos de lesão corporal, tráfico de drogas ou estupro. Segundo, a exigência de uma superproteção que passa longe da realidade nacional, especialmente nas universidades públicas.
Parece- me injusto que um governo que mal defende o cidadão de latrocínios e de balas perdidas, por exemplo, seja chamado a uma intervenção prévia em festas universitárias, às quais comparecem voluntariamente jovens maiores de idade e capazes. Jovens que, pela Constituição Federal, vivem potencial idade de portar armas para defender as fronteiras do país.
Para o ensino, intervir na autoorganização estudantil é um total desastre. A universidade que toma intensas medidas para a integração do calouro acaba por neutralizar um choque que contém, sim, indelével função pedagógica.
Sem um marco firme que indique a transição, o jovem encara a universidade como a continuação do colégio, enquanto os professores nos espantamos com homens fisiologicamente adultos, a meses de controlar a vida alheia na mesa de cirurgia ou no tablado dos tribunais, pedirem socorro aos pais para discutir com a instituição de ensino questões como nota de prova ou exi- girem o cumprimento do conteúdo programático pasteurizado como se estivessem no cursinho.
Esse comodismo juvenil atende ao interesse das instituições de graduação em uma simbiose difícil de quebrar, pela qual paga a sociedade como um todo.
Aos poucos, a universidade, sem qualquer oposição, proíbe o álcool, as festas, os cartazes e os grupos de teatro, controla atividades políticas dos centros acadêmicos e dissipa aglomerações de indivíduos que aparentemente organizem um trote — o que legalmente, creio, só poderia ocorrer mediante decretação formal de estado de sítio.
O resultado já se vê em jovens profissionais que se habituaram a absorver as regras da obediência tal como engoliram o conteúdo programático da graduação, a confirmar que os protestos de rua mais radicais, que alguns antropólogos precipitadamente interpretaram como o fim da cordialidade brasileira, não eram mais do que um voo de galinha amplificado pelo Facebook.
A infantilização do estudante tem- nos passado alta fatura.