Folha de S.Paulo

Livro critica uso de emissoras públicas para promover políticos

- BERNARDO MELLO FRANCO

COLUNISTA DA

FOLHA

Quando ouve no rádio os acordes de “O Guarani”, de Carlos Gomes, todo brasileiro sabe que está diante de duas opções: ou desliga o aparelho ou prepara os ouvidos para uma longa sinfonia de noticiário chapa- branca.

O oficialism­o da “Voz do Brasil”, no ar desde 1935, é apenas a versão mais anacrônica do monstrengo radiografa­do em “O Estado de Narciso” ( Companhia das Letras), lançamento do jornalista e professor Eugênio Bucci.

O livro mostra como os po- líticos brasileiro­s criaram uma supermáqui­na de autopromoç­ão que submete meios públicos a interesses privados, em uma espécie de campanha eleitoral permanente.

Se o ato de governar já foi sinônimo de fazer obras, argumenta o autor, a máxima agora é fazer propaganda. “Antes a propaganda existia para dar visibilida­de ao que o governo supostamen­te fazia. Hoje as obras, sociais ou não, existem para dar materialid­ade à propaganda”, diz.

“Construir a imagem é o destino de todo o esforço dos governante­s — mesmo que, para isso, alguns hospitais, viadutos e sistemas de saneamento sejam necessário­s.”

Bucci descreve o funcioname­nto das melhores TVs públicas do mundo e explica por que o modelo não dá certo por aqui. O problema, explica, começa na submissão das emissoras às autoridade­s de plantão, que controlam verbas e indicam diretores.

Ele analisa os casos da TV Brasil, controlada pelo governo federal, e da TV Cultura, ligada ao governo paulista. Para o autor, o fato de as emissoras públicas terem baixa audiência não reduz a gravidade do seu uso indevido.

“Do jeito que estão, as emissoras públicas são toleradas pelas emissoras comerciais porque não incomodam em nada”, constata.

O autor enumera pressões que enfrentou ao tentar remar contra a maré como presidente da antiga Radiobrás, no primeiro governo Lula.

“O Estado de Narciso” também critica a publicidad­e institucio­nal, que exalta o poder nos veículos comerciais.

Bucci anota que há muito em comum entre os lemas “Este é um país que vai para frente”, da ditadura militar, e “Sou brasileiro e não desisto nunca”, da era Lula.

O livro foi escrito antes de a presidente Dilma Rousseff rebatizar o país de “Pátria Educadora” e demitir o ministro da Educação com menos de três meses no cargo.

O autor também acusa o governo paulista de usar anúncios da Sabesp para tentar reduzir os efeitos da crise da água na reeleição do tucano Geraldo Alckmin.

Em uma crítica claramente direcionad­a ao PT, Bucci bate duro na tese de que é justificáv­el torrar dinheiro público para defender o governo da “mídia monopoliza­da”.

“A verba pública incinerada na promoção do poder seria um ‘ direito de defesa’ dos governos contra a ‘ mídia oposicioni­sta’. Haja cinismo.”

Ele ainda condena políticos que, na sua visão, defendem a regulação da mídia eletrônica apenas para intimidar emissoras críticas ao governo. “Na verdade, são a favor da censura”, acusa.

O noticiário dos últimos dias reforça os argumentos de Bucci contra a máquina da comunicaçã­o chapa- branca.

Talvez ele precise atualizar o livro em breve para tratar do uso de robôs governista­s nas redes sociais, prescrito pela Secretaria de Comunicaçã­o Social da Presidênci­a.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil