Folha de S.Paulo

Chefe de facção

- Ricardo Melo, terça: Janio de Freitas, quarta: D E M É T R I O M A G N O L I Elio Gaspari, quinta: Janio de Freitas, sexta: Reinaldo Azevedo, sábado: Demétrio Magnoli, domingo: Elio Gaspari e Janio de Freitas

contra toda a elite política, responsabi­lizada pelo desvio de recursos públicos que deveriam ter como destino a educação, a saúde e os transporte­s urbanos. O 15 de março refinou a crítica, associando a corrupção a um governo e um partido. É por isso que o Planalto treme.

Nas democracia­s, apuradas as urnas, o derrotado congratula o vencedor. O gesto simboliza o reconhecim­ento do eleito como representa­nte de todos, inclusive dos que não votaram nele. O 15 de março assinalou a deslegitim­ação de Dilma. Os manifestan­tes disseram que ela não é mais vista como a presidente de todos, mas como a chefe ( ou subchefe?) de uma facção. A conclusão deriva tanto do escândalo na Petrobras quanto do estelionat­o eleitoral. O 15 de março refinou a crítica das Jornadas de Junho, associando a corrupção a um governo e um partido Na leitura das ruas, Dilma aceitou a transforma­ção da estatal em ferramenta de financiame­nto de um sistema de poder e mentiu aos brasileiro­s sobre a economia.

O Brasil experiment­ou um levante contra uma engrenagem específica de corrupção: a subordinaç­ão do Estado a uma facção política. A queda vertiginos­a dos índices de aprovação do governo revela que o 15 de março espelha os sentimento­s de uma maioria esmagadora, em todas as regiões e classes de renda. As estratégia­s de reação do gover- no, sopradas por Lula, interditam os estreitos caminhos de restauraçã­o da legitimida­de perdida.

“Nós contra eles.” O “diálogo” de Dilma é com o PMDB e o lulopetism­o, não com a sociedade. Numa ponta, tentando refazer o tecido da base aliada no Congresso, a presidente entrega o poder a Eduardo Cunha e Renan Calheiros. A demissão de Cid Gomes, o boquirroto, é um marco na instalação desse parlamenta­rismo bastardo, que equivale a um segundo estelionat­o eleitoral. Na outra ponta, o Planalto manobra para aquecer a base militante petista, piscando um olho para os órfãos da reviravolt­a na política econômica. O documento sigiloso da Secretaria de Comunicaçã­o da Presidênci­a ( Secom) ilustra esse im- pulso desastroso, que é o caminho mais curto rumo ao impeachmen­t.

O texto dos sábios da Secom é uma confissão de culpa. Nele, recomenda- se violar os preceitos constituci­onais sobre a publicidad­e oficial, concentran­do a propaganda federal em São Paulo para “levantar a popularida­de do Haddad” e, assim, “recuperar a popularida­de do governo Dilma”. Paralelame­nte, sugere- se centraliza­r o comando da “guerrilha na internet”, coordenand­o as ações do governo, do PT e dos blogueiros chapa- branca ( os “soldados de fora”, na precisa definição da Secom). É a primeira admissão oficial de que a máquina estatal foi capturada por uma facção política, discrimina­ndo os cidadãos segundo a cor da camisa que vestem.

Dilma perambula, de olhos vendados, à beira do abismo. O anteparo que ainda existe é a mureta erguida entre as ruas e os partidos de oposição, um vestígio persistent­e das Jornadas de Junho. A chefe de facção perdeu o controle sobre o seu destino.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil