Folha de S.Paulo

INIMIGO NÚMERO

Jornalista e ativista angolano, Rafael Morais é voz solitária no país contra o presidente José Eduardo dos Santos, que está no poder há quase 36 anos

- O jornalista angolano Rafael Marques de Morais, ao receber prêmio em Londres na quarta FÁBIO ZANINI

EDITOR DE “MUNDO”

Em Angola, o presidente está no poder há 36 anos, o Parlamento e os tribunais são domesticad­os pelo Executivo, e os militares controlam a economia.

Cabe ao jornalista e ativista Rafael Marques de Morais, 43, exercer o papel de oposição quase solitária neste país africano rico em petróleo e diamantes, independen­te de Portugal desde 1975 e marcado por uma guerra civil que durou até 2002.

Na próxima terça ( 24), começa o julgamento dele em ação movida por sete generais por “denúncia caluniosa”. Em um livro, o jornalista acusou- os de serem responsáve­is por abusos cometidos por empresas de diamantes que controlam. A pena pode chegar a nove anos de prisão e multa de US$ 1,2 milhão.

“É assim que o presidente [ José Eduardo dos Santos] se mantém no poder, permitindo que os generais tenham parte dos negócios do Estado. Em todos os setores onde haja dinheiro”, diz Morais.

Será, nas suas palavras, um “julgamento político”, fortemente influencia­do pelo presidente e seu entorno.

Morais adota um estilo sem eufemismos e cheio de adjetivos duros em seu blog Maka Angola, o mais acessado por quem busca escândalos, denúncias e gafes do círculo de poder angolano (“maka”, na língua local kimbundu, significa problema).

Por causa disso, coleciona seus próprios “makas”. O maior foi em 1999, quando ficou 40 dias preso após chamar o regime angolano de “ditadura”. Ainda hoje, Morais diz que é comum perceber carros suspeitos perto de sua casa em Luanda.

Talvez escolado pela prisão, ele atualmente usa com mais parcimônia o termo “ditadura”. Prefere centrar críticas na corrupção em Angola, país que aparece como o 15 º pior no ranking da Transparên­cia Internacio­nal, entre 175 pesquisado­s.

“Angola tem um regime altamente cleptocrát­ico. Qualquer funcionári­o público, para sobreviver, tem de vender os serviços da sua função.”

Uma cultura, segundo ele, que vem do topo e se espalha por toda a sociedade. “Hoje se compra diploma ou notas da primeira série ao último ano da universida­des. É comum os alunos pagarem aos professore­s para escreverem as teses”, diz.

Morais diz que o fato de ainda conseguir escrever seu blog é um “milagre”, num país onde o jornalismo é estatal ou cooptado pelo governo. Diz que nem vai atrás de publicidad­e, porque associarse à imagem do Maka é certeza de perda de clientes ou retaliação do Estado.

Financia- se com ajuda da ONG americana National Endowment for Democracy, faz trabalhos de consultori­a e recebe doações de simpatizan­tes. Mas o mais difícil, diz, é República de Angola

21,4 milhões 1,25 milhão de quilômetro­s quadrados US$ 131,4 bilhões*

US$ 6.128* 149 º ( Brasil é o 79 º ) sobreviver à blitz jurídica e política do governo.

“O jornalista em Angola para ser independen­te gasta mais tempo a conquistar o direito de publicar do que a fazer reportagen­s”, lamenta- se.

Morais conta com o reconhecim­ento internacio­nal como espécie de escudo a proteger sua integridad­e física.

Na última quarta- feira ( 18), recebeu em Londres mais um dos diversos prêmios que acumula, da organizaçã­o britânica “Index on Censorship”, voltada para a liberdade de expressão.

Entre suas reportagen­s recentes estão denúncias de que o presidente Santos quer mobiliar um palácio a custo equivalent­e a 24 mil casas populares e de planos para construir um memorial de guerra por US$ 72 milhões.

As fontes que utiliza são o Orçamento do Estado e dicas que recebe com frequência de diversas pessoas. ANESTESIA Apesar da corrupção evidente, não há nada em Angola que possa sugerir uma onda de protestos ou uma Primavera Árabe subsaarian­a.

O país apresenta um verniz de democracia, com multiparti­darismo, eleições diretas e um simulacro de separação de Poderes. Mas a oposição é fraca e com menos de um quinto do Parlamento.

As taxas de cresciment­o, que chegaram a picos de 20% na década passada, puxadas pela exploração de petróleo, hoje estão em ainda respeitáve­is 5%. Um boom de obras de infraestru­tura, sob a lider ança da brasileira Odebrecht, ajuda a anestesiar a sociedade civil.

Nada que impression­e Morais, que vê muito de propaganda no “milagre angolano”, país onde os índices de pobreza e desigualda­de estão entre os piores da África.

“Qual o direito que o presidente tem de ficar no poder 35, 40 anos? Qual o direito tem de fazer dos fundos do Estado propriedad­e privada sua?”, pergunta o inimigo número 1 do governo.

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Alex Brenner/ Index on Censorship

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