Paulo Coelho é escritor global sem ligação com Brasil, diz editor francês
Michel Chandeigne publica livros clássicos e contemporâneos de poesia e prosa brasileiras
ENVIADO ESPECIAL A PARIS
Num evento que conta com presença de mais de 40 autores brasileiros, como o Salão do Livro de Paris, a imprensa francesa deu um destaque igual, senão maior, a um editor e livreiro que pode ser considerado um embaixador da literatura lusófona na França.
Proprietário da Librairie Portugaise et Brésilienne e criador do selo editorial que leva seu sobrenome, Michel Chandeigne, 58, é responsável pela publicação de clássicos e contemporâneos da prosa e da poesia brasileiras.
Acaba de lançar uma nova tradução de “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, e a primeira edição francesa de “Estive em Lisboa e Lembrei de Você”, de Luiz Ruffato.
Em entrevista à Folha, na pacata rua em que fica sua livraria, nas imediações do Panthéon, Chandeigne aponta Ruffato ( mas também Milton Hatoum, Bernardo Carvalho e Chico Buarque) como o autor que pode atrair maior atenção do público gaulês e, a partir daí, estimular o interesse pela literatura brasileira em geral.
Mas reconhece que esse tipo de “figura de proa” ( como foi Jorge Amado no passado) não existe hoje nem mesmo na França.
Não poderia ser Paulo Coelho, cujos livros estão à venda em sua livraria?
“Não faço juízos sobre a qualidade, mas para nós é um escritor internacional que não tem qualquer ligação com o Brasil. Best- seller é um tipo de livro que devoramos, mas que nunca relemos depois. A literatura é feita de livros que muitas vezes não vamos ler, mas que, se for o caso, podemos depois reler.”
Mas se tivesse de apontar um candidato forte a Nobel na língua portuguesa, não hesita em apostar no moçambicano Mia Couto.
BIOLOGIA E PESSOA
A relação de Chandeigne com a cultura lusófona teve início quando foi para Lisboa, como professor de biologia, aprendeu a língua e descobriu um duplo amor, pela poesia portuguesa ( especialmente Fernando Pessoa) e pela tipografia, criando sua pequena editora em 1981 ( a livraria viria depois, em 1986).
Recentemente, ele editou uma monumental antologia bilíngue da poesia brasileira desde o século 16, “La Poésie du Brésil”, organizada por Max de Carvalho.
E desmente a percepção de que não há interesse pela poesia brasileira na França. “Alice Raillard, tradutora de Jorge Amado para a Gallimard, por exemplo, tentou várias vezes traduzir João Cabral de Melo Neto, mas esbarrou nas exigências exorbitantes dos herdeiros.” No primeiro dia de mesas e encontros abertos ao público, nesta sexta ( 20), a programação do pavilhão brasileiro sofreu atrasos recorrentes. A mesa reunindo Luiz Ruffato, Paulo Lins e Marcelino Freire começou com quase uma hora de atraso. Marcelino Freire brincou nesta sexta com a falta de copos de água para escritores no pavilhão brasileiro. Diz que sua família saiu do sertão pernambucano fugindo da seca, e que ele acabou se instalando em São Paulo, onde hoje os reservatórios de água estão quase vazios. “Tudo só para passar sede agora em Paris.” Em entrevista coletiva na sexta, o ministro da Cultura, Juca Ferreira, comentou a atual turbulência econômica brasileira. Disse que, além do quadro internacional desfavorável, “o governo se atrasou na tomada de algumas decisões” e que “motivos não faltam para que a população esteja descontente”. Apesar das medidas de arrocho fiscal implantadas pela equipe econômica, Ferreira afirmou esperar que o orçamento da cultura, já reduzido a menos de 1% do total da União, “não tenha o mesmo tratamento de outras matérias”. “A administração da contenção de gastos tem de ser feita de forma inteligente.” Sobre a recente demissão do ministro da edução, Cid Gomes, comentou: “Ele chegou para discursar no Congresso determinado a tratar da questão política que o estava incomodando. Foi um gesto consciente. Um ministro tem de ter cuidado com o governo [ ao se pronunciar publicamente]”.