Restrita a poucos leitores, obra de Euclides Neto ganha nova edição
Coleção traz 13 livros do baiano que narrou conflitos da zona do cacau com linguagem inventiva
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
No elenco de escritores nascidos na zona cacaueira da Bahia e inspirados pelos conflitos dessa região, reservou- se ao romancista Euclides Neto ( 1925- 2000), por quase sete décadas, algum lugar entre o esquecimento e as tiragens modestas.
Restrito a poucos leitores, manteve- se à margem da projeção de outros narradores “grapiúnas”, como Jorge Amado, Adonias Filho, Jorge Medauar e Hélio Pólvora.
O renascimento literário de Euclides dependeu do esforço de sua filha, Denise Teixeira, dedicada à organização das obras completas do pai.
Os 13 títulos agora relançados pelas editoras Edufba e Littera ajudam a posicionar o autor na paisagem cultural brasileira e de seu próprio Estado, onde é mais conhecido pela trajetória política.
Advogado de trabalhadores rurais e ex- militante comunista, Euclides foi prefeito da cidade de Ipiaú ( BA), a 353 km de Salvador, entre 1963 e 1967. Numa pequena r evolução, t ornou- se um pioneiro da reforma agrária: desapropriou uma área de 167 hectares e assentou de- sempregados e indigentes na “Fazenda do Povo”.
Na década de 1980, assumiria a secretaria estadual de Reforma Agrária do governador Waldir Pires, posicionando- se como pré- candidato à sucessão baiana.
Autor do livro “O Romance dos Excluídos — Terra e Política em Euclides Neto”, Elieser Cesar avalia que o “malfadado realismo socialista” marcou suas obras iniciais, “Birimbau” ( 1946) e “Vida Morta” ( 1947). O romance social nordestino dos anos 1930, de José Américo de Almeida a Graciliano Ramos, seria uma influência duradoura.
“A Euclides Neto não interessa mais a expansão e a consolidação da lavoura do cacau, com seu processo civilizatório e sua inexorável carga de violência, como observamos em ‘ Terras do Sem- Fim’, de Jorge Amado, mas a sua decadência”, diz Elieser, contista e mestre em letras pela Universidade Federal da Bahia. EXCLUÍDOS O estudioso reconhece na obra dele uma “Tetralogia dos Excluídos” formada por “Os Magros” ( 1961), “O Patrão” ( 1978), “Machombon- go” ( 1986) e “A Enxada e a Mulher que Venceu seu próprio Destino” ( 1996).
Os contos do livro póstumo “O Tempo É Chegado” ( 2001) absorvem transtornos sociais do declínio econômico do cacau. “Na roça ainda encontravam uma tambora de aipim, uma jaca, frutas do mato. Na cidade era a fome parda e suja”, descreve no conto “O Velho e os Três Meninos”.
Na fase final, Euclides costumava escrever no escritório de sua casa, em Ipiaú, acrescentando à disciplina literária as viagens a uma pequena fazenda de cabras, no se- miárido, onde aprimorava os textos. Elogiado pelo filólogo Antônio Houaiss, o “Dicionareco das Roças de Cacau e Arredores” ( 1997) sedimentou sua pesquisa de linguagem.
O escritor Hélio Pólvora vê no amigo uma “fusão encantatória” entre o linguajar da boca do sertão baiano e uma pitada de gramática.
“Ele mistura bem o que é erudito e o que é popular. Em outras palavras, a fala do povo dito inculto e a expressão do intelectual de escrita correta. Inclina- se mais para a primeira, fazendo lembrar Guimarães Rosa”, diz Pólvora, admirador de “Machombongo” — para ele, o romance mais “ambicioso” de Euclides.
As obras completas reúnem ainda crônicas, relatos políticos e memorialísticos.
Em 2013, a jornalista Lília de Souza lançou o perfil biográfico “Euclides Neto”. Há uma nova biografia em andamento, coordenada pela filha.
Com a reedição do conjunto de ficções, a família pretende ampliar o número de leitores e redimensionar Euclides na história literária. Assim, como registra o “Dicionareco”, o autor enfim poderá “estanhar pelo mundo”. Documentos descobertos recentemente mostram que a polícia da Inglaterra forjou evidências para tentar desacreditar a investigação feita pelo escritor Arthur Conan Doyle, criador do detetive Sherlock Holmes, sobre o curioso caso de George Edalji, acusado de mutilar cavalos e enviar cartas anônimas caluniosas
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