Folha de S.Paulo

Restrita a poucos leitores, obra de Euclides Neto ganha nova edição

Coleção traz 13 livros do baiano que narrou conflitos da zona do cacau com linguagem inventiva

- CLAUDIO LEAL O escritor Euclides Neto na fazenda Diamantina, na cidade de Ipiaú ( Bahia), em 1991

COLABORAÇíO PARA A FOLHA

No elenco de escritores nascidos na zona cacaueira da Bahia e inspirados pelos conflitos dessa região, reservou- se ao romancista Euclides Neto ( 1925- 2000), por quase sete décadas, algum lugar entre o esquecimen­to e as tiragens modestas.

Restrito a poucos leitores, manteve- se à margem da projeção de outros narradores “grapiúnas”, como Jorge Amado, Adonias Filho, Jorge Medauar e Hélio Pólvora.

O renascimen­to literário de Euclides dependeu do esforço de sua filha, Denise Teixeira, dedicada à organizaçã­o das obras completas do pai.

Os 13 títulos agora relançados pelas editoras Edufba e Littera ajudam a posicionar o autor na paisagem cultural brasileira e de seu próprio Estado, onde é mais conhecido pela trajetória política.

Advogado de trabalhado­res rurais e ex- militante comunista, Euclides foi prefeito da cidade de Ipiaú ( BA), a 353 km de Salvador, entre 1963 e 1967. Numa pequena r evolução, t ornou- se um pioneiro da reforma agrária: desapropri­ou uma área de 167 hectares e assentou de- sempregado­s e indigentes na “Fazenda do Povo”.

Na década de 1980, assumiria a secretaria estadual de Reforma Agrária do governador Waldir Pires, posicionan­do- se como pré- candidato à sucessão baiana.

Autor do livro “O Romance dos Excluídos — Terra e Política em Euclides Neto”, Elieser Cesar avalia que o “malfadado realismo socialista” marcou suas obras iniciais, “Birimbau” ( 1946) e “Vida Morta” ( 1947). O romance social nordestino dos anos 1930, de José Américo de Almeida a Graciliano Ramos, seria uma influência duradoura.

“A Euclides Neto não interessa mais a expansão e a consolidaç­ão da lavoura do cacau, com seu processo civilizató­rio e sua inexorável carga de violência, como observamos em ‘ Terras do Sem- Fim’, de Jorge Amado, mas a sua decadência”, diz Elieser, contista e mestre em letras pela Universida­de Federal da Bahia. EXCLUÍDOS O estudioso reconhece na obra dele uma “Tetralogia dos Excluídos” formada por “Os Magros” ( 1961), “O Patrão” ( 1978), “Machombon- go” ( 1986) e “A Enxada e a Mulher que Venceu seu próprio Destino” ( 1996).

Os contos do livro póstumo “O Tempo É Chegado” ( 2001) absorvem transtorno­s sociais do declínio econômico do cacau. “Na roça ainda encontrava­m uma tambora de aipim, uma jaca, frutas do mato. Na cidade era a fome parda e suja”, descreve no conto “O Velho e os Três Meninos”.

Na fase final, Euclides costumava escrever no escritório de sua casa, em Ipiaú, acrescenta­ndo à disciplina literária as viagens a uma pequena fazenda de cabras, no se- miárido, onde aprimorava os textos. Elogiado pelo filólogo Antônio Houaiss, o “Dicionarec­o das Roças de Cacau e Arredores” ( 1997) sedimentou sua pesquisa de linguagem.

O escritor Hélio Pólvora vê no amigo uma “fusão encantatór­ia” entre o linguajar da boca do sertão baiano e uma pitada de gramática.

“Ele mistura bem o que é erudito e o que é popular. Em outras palavras, a fala do povo dito inculto e a expressão do intelectua­l de escrita correta. Inclina- se mais para a primeira, fazendo lembrar Guimarães Rosa”, diz Pólvora, admirador de “Machombong­o” — para ele, o romance mais “ambicioso” de Euclides.

As obras completas reúnem ainda crônicas, relatos políticos e memorialís­ticos.

Em 2013, a jornalista Lília de Souza lançou o perfil biográfico “Euclides Neto”. Há uma nova biografia em andamento, coordenada pela filha.

Com a reedição do conjunto de ficções, a família pretende ampliar o número de leitores e redimensio­nar Euclides na história literária. Assim, como registra o “Dicionarec­o”, o autor enfim poderá “estanhar pelo mundo”. Documentos descoberto­s recentemen­te mostram que a polícia da Inglaterra forjou evidências para tentar desacredit­ar a investigaç­ão feita pelo escritor Arthur Conan Doyle, criador do detetive Sherlock Holmes, sobre o curioso caso de George Edalji, acusado de mutilar cavalos e enviar cartas anônimas caluniosas

com/ no1605280

 ?? Thomas Bussius/ Divulgação ?? Ex- prefeito da cidade baiana de Ipiaú, escritor morto em 2000 foi pioneiro da reforma agrária na década de 60
Thomas Bussius/ Divulgação Ex- prefeito da cidade baiana de Ipiaú, escritor morto em 2000 foi pioneiro da reforma agrária na década de 60
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil