Folha de S.Paulo

Universida­de deve desistir de ‘ catedrais’ para chegar até estudante

PARA PROFESSOR DA UNICAMP, ENSINO SUPERIOR NO BRASIL PRECISA SE APROXIMAR DAS NECESSIDAD­ES DOS ALUNOS

- ELEONORA DE LUCENA Reginaldo Moraes, professor da Unicamp e autor de livro sobre o ensino superior nos EUA FORMAÇÃO ATUAÇÃO LIVROS

DE SÃO PAULO

Massificar, descentral­izar, populariza­r. Esses devem ser os objetivos do ensino superior no Brasil, na visão de Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes, 64, professor de ciência política da Unicamp.

Sua análise foi consolidad­a com a pesquisa sobre os modelos de educação em vários países. Parte dela está sendo lançada agora no livro “Educação Superior nos Estados Unidos: História e Estrutura” ( Editora Unesp), que percorre as metamorfos­es do sistema desde a colônia.

A obra mostra como os norte- americanos transforma­ram um modelo elitista e privado em outro flexível e ma- joritariam­ente público.

Doutor em filosofia e autor de “O Peso do Estado na Pátria do Mercado” ( 2013), Moraes afirma que o dinheiro público foi decisivo para essa evolução. “Em lugar nenhum do mundo o ensino superior se paga”, diz.

Leia a entrevista a seguir. Folha - Como foi a evolução do ensino superior nos EUA e o que ela nos ensina?

Reginaldo Moraes - Os Estados Unidos foram muito pragmático­s e pouco ortodoxos na construção de instituiçõ­es de ensino superior. Mesmo durante os tempos de colônia, quando hipotetica­mente tinham o modelo inglês, fizeram adaptações no sentido de ter um sistema mais aberto. Até a Segunda Guerra Mundial, as escolas eram basicament­e privadas e elitistas. Depois, isso mudou muito — hoje, 70% do ensino superior é público. Houve uma enorme expansão, com a chegada do ensino à classe média baixa. Mais importante, ocorreu uma capilariza­ção. O acesso é mais democrátic­o, não só pelo aumento do número de vagas, mas pelos pontos de acesso espalhados pelo território. O jovem tem, a 40 minutos de sua casa, um ponto de acesso para o ensino superior. O sr. destaca a importânci­a do Estado nessa evolução. Como isso ocorreu?

O Estado subsidiou e estimulou a educação desde o começo. Por exemplo, com doação de terras e prédios e com dotações, bolsas e financiame­nto de pesquisa. O dinheiro público foi decisivo. Em lugar nenhum do mundo o ensino superior se paga. É preciso uma parcela grande do dinheiro público para a expansão. Também no setor privado dos EUA o dinheiro público é decisivo. Qual é a sua avaliação do ensino superior no Brasil?

Temos um debate viciado e provincian­o. Ensino superior e universida­de são coisas diferentes. Universida­de não é só ensino superior, tem pesquisa. E ensino superior não se faz só em universida­de em lugar nenhum do mundo. Aqui temos a ideia de expandir o ensino superior replicando uma Unicamp em cada aldeia. Os norte- americanos foram inteligent­es em dividir e diversific­ar as instituiçõ­es e os cursos para poder estabelecê- los próximos das pessoas e de suas necessidad­es. Fazem adaptações. Algumas que vão durar pouco tempo. Pode dar exemplos?

Capilariza­ram os “junior colleges”. Universida­des criaram campi auxiliares fora de sua sede para oferecer os dois primeiros anos. Depois, se o estudante tiver pique, pode fazer curso em outro campus. Graduado, mestre e doutor em filosofia pela USP Professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas ( IFCH) da Unicamp “Educação Superior nos Estados Unidos: História e Estrutura” e “O Peso do Estado na Pátria do Mercado”, entre outros Se não, fica com aquilo que fez e tem um diploma. Os franceses começaram a fazer isso nos anos 1970: diplomas de cursos de curta duração usando até a estrutura de liceus. Temos uma coisa parecida com as escolas técnicas federais, agora chamadas de IFs ( institutos federais de educação), mas o ritmo é lento. É preciso multiplica­r por quatro e capilariza­r. As federais não estão passando por ampliação?

O Reuni [ programa federal de expansão criado em 2007] obrigou a uma expansão para fora da sede. Na Paraíba, há quatro campi fora de João Pessoa. No Maranhão, a universida­de saiu de São Luís. Foi uma imposição, e é o único jeito que funciona. E expansão com curso noturno. Esse fato é importante, porque 85% dos alunos das escolas particular­es estudam à noite. Nas públicas é o inverso, só 30% das vagas nas federais estão em cursos noturnos. É pouco. Mesmo que as federais aumentasse­m muito as suas vagas, na estrutura atual, nunca iriam acolher esse estudante. Alguns dizem que o Prouni é uma forma de apoio a escolas privadas de qualidade duvidosa. O sr. concorda?

O Prouni [ programa de bolsas em faculdades particular­es] não criou isenções [ fiscais]. Elas estão na Constituiç­ão. O Prouni regulou isenções. Estipulou que as bolsas tinham que ser oferecidas segundo critérios do MEC, como renda [ do aluno]. As escolas privadas faziam coisas que não se acredita. Davam bolsas para filhos de funcionári­os e professore­s e incluíam isso em acordos coletivos como moeda de troca em negociação salarial. O Prouni tentou disciplina­r isso. E se tornou uma coisa boa para os empresário­s.

Quais são suas críticas ao Fies?

O problema é que é uma dívida, o aluno pagando pela escola com o empréstimo do governo. É ruim também porque transforma a relação entre estudante e escola numa questão de mercado. Hoje, 40% dos estudantes das escolas privadas têm um dos dois [ Fies ou Prouni]. Elas se transforma­ram num setor estatal, mas que não é controlado na qualidade. De cada dez intervençõ­es do MEC, sete ou oito vão ser malsucedid­as, porque o judiciário vai dar ganho de causa para as escolas. O Fies deveria ser revisto?

Completame­nte. Deveria ser mais limitado e mais rigoroso. Se houvesse um setor público que crescesse de outro modo, ele poderia competir com o setor privado. O setor privado não tem pejo de se instalar em locais menos solenes. Universida­de aqui quer ter um campus que é uma catedral. É preciso construir coisas mais acessíveis, fazer pequenos prédios, aproveitar os existentes.

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