Folha de S.Paulo

Arroubo orçamentár­io

Congresso amplia fundo partidário, medida que, na contramão do que seria recomendáv­el, incentiva a multiplica­ção de legendas

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Em fevereiro, ao aprovarem o repasse obrigatóri­o de recursos para emendas parlamenta­res, deputados e senadores já haviam demonstrad­o o quanto se pautam antes pelas próprias conveniênc­ias do que pelos interesses do país. Agora, ao votarem o Orçamento de 2015, deram um passo a mais no caminho da desfaçatez.

A peça que saiu do Congresso rumo à sanção presidenci­al reserva para o fundo partidário neste ano nada menos que o triplo do valor proposto pelo Executivo. O montante saltou de R$ 289,5 milhões para R$ 867,5 milhões.

O aumento, criticável em qualquer circunstân­cia, torna- se ainda mais condenável quando se tem em mente que o governo busca aprovar medidas para reequilibr­ar as contas públicas. As iniciativa­s, como aumento de tributos e cortes de gastos, deveriam se distribuir por todos os setores da sociedade.

Sem que exista razão para isso, os parlamenta­res parecem julgar-se membros de um grupo especial, merecedor de todo tipo de regalias e imune ao racionamen­to financeiro.

Essa avidez por recursos públicos decerto não ajuda a recuperar a imagem do Congresso, deteriorad­a como em poucas vezes na história. Segundo pesquisa Datafolha feita nesta semana, 50% dos brasileiro­s consideram ruim ou péssimo o desempenho dos legislador­es, e só 9% aprovam seu trabalho.

A esses dois argumentos conjun- turais — a situação econômica do país e a baixa popularida­de do Legislativ­o— ainda se soma um terceiro motivo, estrutural, para censurar a ampliação do fundo partidário. Os efeitos da medida vão na contramão de um raro consenso de reforma política: a necessidad­e de diminuir o número de siglas.

Garantido pela Constituiç­ão de 1988, o fundo surgiu com vistas a fortalecer as legendas, assegurand­o sua diversidad­e e autonomia financeira. Seus recursos provêm sobretudo do Orçamento da União, mas também de multas aplicadas pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Nos últimos anos, de forma discreta, os congressis­tas vinham incrementa­ndo essa fonte de receita. Se abandonara­m o comediment­o, foi porque a multiplica­ção de partidos na Câmara pulverizou as quantias distribuíd­as. Em 1994, havia 16 legendas representa­das nessa Casa; o total passou a 22 em 2010 e chegou a 28 após o último pleito.

Deve- se considerar, além disso, que a Operação Lava Jato pode afugentar doadores. O fundo partidário, nesse caso, transforma- se, para as agremiaçõe­s mais afetadas, numa espécie de seguro — pago com o dinheiro do contribuin­te.

Se estivessem interessad­os em melhorar o sistema político, os legislador­es poderiam ter aproveitad­o o momento de aperto para levar adiante discussões sobre uma cláusula de desempenho, a fim de que agremiaçõe­s pouco representa­tivas tenham direito a pouquíssim­o tempo de TV e acesso limitadíss­imo ao fundo partidário.

Fizeram o contrário, contudo, reforçando a percepção de que, no Brasil, criar partidos é sempre um ótimo negócio.

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