Folha de S.Paulo

O crime de falar mal de político

- RONALDO LEMOS

QUER FALAR mal de algum político pela internet? Então prepare- se para passar até seis anos na prisão em regime fechado. Três projetos de lei estão avançando em alta velocidade neste momento na Câmara dos Deputados para aumentar penas e até mesmo transforma­r em crime hediondo as ofensas em alguns casos. A autora do principal deles, o projeto de lei 1.589, de 2015, é a deputada Soraya Santos, do PMDB- RJ.

Se você já ficou em alerta, saiba que o buraco é ainda mais profundo. Se o projeto for aprovado, qualquer “autoridade competente” poderá ter acesso aos dados de qualquer internauta, sem maiores controles. E mais: poderá ter acesso também ao inteiro teor das comunicaçõ­es dos usuários, sem a necessidad­e de ordem judicial prévia.

Sabe aquelas mensagens que estão na caixa de mensagens da sua rede social favorita? O governo ou a polícia passam ter acesso direto a elas, sem controle. Cria- se assim uma república da vigilância no Brasil. Todos os cidadãos são suspeitos, e o governo ou a polícia têm acesso a tudo que se diz na internet, mesmo em comunicaçõ­es privadas.

Uma das principais conquistas do Marco Civil foi estabelece­r a necessidad­e de ordem judicial prévia para a obtenção dos dados dos usuários na rede. Criou- se assim um sistema minimament­e balanceado: os provedores e sites precisam guardar os dados, mas só podem entrega- los para fins de investigaç­ão se um juiz autorizar.

Essa é a regra em todos os países Projetos de lei preveem até prisão para quem comentar sobre autoridade­s e facilitam acesso a dados de usuários democrátic­os. Que agora está prestes a cair por terra no Brasil.

A coisa piora ainda mais. Ofensas hoje só são investigad­as e processada­s se houver “queixa” do ofendido. O projeto acaba com essa necessidad­e. Com isso, tanto a polícia quanto o Ministério Público poderão investigar qualquer ofensa proferida na internet sem a necessidad­e de queixa prévia. Em outras palavras, isso transforma as auto- ridades públicas em advogados privados de políticos que podem usar da sua influência para intimidar quem fala mal deles na rede.

Para completar, o projeto cria também um direito para que políticos possam solicitar ao poder judiciário que sejam imediatame­nte apagados da internet quaisquer conteúdos que os relacionem a fatos “difamatóri­os ou injuriosos”.

Com isso, fica oficialmen­te autorizado o revisionis­mo histórico e a possibilid­ade de se suprimir a memória de fatos relevantes para o país. Em um momento em que os países democrátic­os latino- americanos lutam pela preservaçã­o de sua memória, o projeto cria um “direito ao esquecimen­to” do passado.

Em suma, é como se o diretor da agência de espionagem dos Estados Unidos, a NSA, tivesse se sentado à mesa com o ditador Kim JongUn, da Coreia do Norte, para redigirem juntos um projeto de lei para o Brasil. Em nome da Constituiç­ão que os elegeu, os deputados federais precisam parar essa maluquice.

RONALDO LEMOS

ronaldo@ itsrio. org

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