Folha de S.Paulo

Com2ºturno, kirchneris­mo perde terreno na Argentina

Votação de Mauricio Macri surpreende e o coloca em pé de igualdade com governista Daniel Scioli na nova etapa

- SYLVIA COLOMBO ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES MARIANA CARNEIRO ENVIADA ESPECIAL A RÍO GALLEGOS

A Argentina terá um inédito segundo turno na eleição presidenci­al, e o bom desempenho de Mauricio Macri (34% dos votos), cujo perfil pró-mercado difere do da atual presidente, surpreende­u analistas e fez disparar ações de empresas do país.

O oposicioni­sta avançou sobre grande fatia do eleitorado indeciso, enquanto o kirchneris­ta Daniel Scioli (37%) estagnou.

Candidato de oposição avançou sobre grande fatia do eleitorado indeciso, enquanto kirchneris­ta estancou

A Argentina terá um inédito segundo turno na eleição presidenci­al, e os dois candidatos que se enfrentarã­o no próximo dia 22 de novembro iniciaram a nova etapa da campanha buscando o apoio de eleitores dos rivais.

Em disputa acirrada na votação de domingo (25), o governista Daniel Scioli (36,86%) superou o opositor Mauricio Macri (34,33%), mas não conseguiu atingir os 40% e a vantagem de dez pontos necessário­s para encerrar a disputa no primeiro turno.

A boa performanc­e do opositor, cujo perfil pró-mercado difere do da atual presidente, surpreende­u mídia e analistas, além de fazer dispararem as ações das empresas argentinas em Wall Street na manhã de segunda (26).

Scioli pediu cautela com as promessas de mudança do seu rival. “Mudança é uma palavra sedutora, mas perigosa. Precisamos cuidar daquilo que conquistam­os.”

Admitindo nessa nova fase participar de um debate (no primeiro turno, ele havia se recusado), Scioli afirmou que está mais próximo da vitória. Na sua conta, “os eleitores dos socialista­s de [Nicolás] Del Caño, dos federalist­as de [Adolfo] Rodriguez Saá e os de Sergio Massa, com quem compartilh­o muitas ideias, estão mais próximos da minha candidatur­a do que da candidatur­a de Macri”.

O atual governador da província de Buenos Aires disse que o que está acontecend­o na Argentina já ocorreu recentemen­te no Brasil e no Uruguai. “Nesses países, os governos nacionais-populares enfrentara­m, nas últimas eleições, uma reclamação da direita. É preciso refletir e discutir essa reclamação.”

Scioli reforçou ainda que sua candidatur­a tem compromiss­o com a manutenção do papel do Estado na inclusão social dos trabalhado­res. ELEITOR ANTIKIRCHN­ER Já Macri, que conquistou dez pontos entre os eleitores desde as eleições primárias em agosto, acenou diretament­e aos eleitores do rival.

“Queremos dizer aos que votaram em Sergio Massa, em Margarita Stolbizer, Adolfo Rodriguez Saá, Nicolás del Caño e até em Daniel Scioli, que estamos aqui para representá-los”, disse.

O opositor reconheceu que já havia recebido no domingo votos de um eleitorado que extrapola sua base tradiciona­l, e pediu confiança.

“A Argentina precisa de mudança e isso inclui escutar, dialogar, prestar contas.”

Macri voltou a defender a redução da pobreza e o combate ao narcotráfi­co, bandeiras que o aproximam dos eleitores de Stolbizer e Massa, respectiva­mente. Pedindo união, afirmou que se ganhar fará “o possível para incluir todos no futuro governo”.

Macri fez um especial afago aos eleitores da província de Córdoba, onde teve mais votos do que Daniel Scioli.

Trata-se do segundo maior colégio eleitoral do país, onde muitos eleitores optaram por Massa e que poderiam embarcar em sua candidatur­a no segundo turno. Córdoba é governada por Juan Manuel De La Sota, um peronista descontent­e com Cristina Kirchner.

Outro também peronista que deixou as filas do kirchneris­mo, Sergio Massa (UNA), terceiro colocado que obteve 21,34% no domingo, ainda não se posicionou.

Seu discurso no domingo à noite, porém, foi bastante crítico ao atual governo, dizendo que apoiará “quem apoie as nossas propostas”, e disse esperar que o novo governo “acabe com a distribuiç­ão de dinheiro e com a política do talão de cheque”, fazendo referência aos planos de assistênci­a e de subsídios de Cristina Kirchner.

O trotskista Nicolás Del Caño, que obteve 3,27% dos votos com a Frente de Esquerda, recomendou a seus elei-

No Brasil e no Uruguai, os governos nacionais-populares enfrentara­m, nas últimas eleições, uma reclamação da direita. É preciso refletir e discutir essa reclamação DANIEL SCIOLI “Frente para a Vitória (governista)

A Argentina precisa de mudança e isso inclui escutar, dialogar, prestar contas

MAURÍCIO MACRI Mudemos (opositor)

tores que votem em branco.

Os outros dois candidatos, Margarita Stolbizer (2,53%, Progressis­tas) e Adolfo Rodriguez Sáa (Compromiss­o Federal, 1,67%) não se posicionar­am ainda. A abstenção foi de 21% no primeiro turno. ALIANÇAS Para o cientista político Marcos Novaro, da Universida­de de Buenos Aires, o inédito segundo turno inaugura um capítulo novo na história política do país porque “não temos uma tradição cooperativ­a, a ideia de partidos fazendo alianças por um projeto”.

Quando Mauricio Macri (PRO) e a União Cívica Radical (UCR) fecharam a aliança Mudemos, no ano passado, houve o abandono de vários “radicalist­as”, que considerar­am a aliança uma traição.

Já para Patricio Giusto, do Diagnóstic­o Político, “vamos começar a ver como se comportam os partidos quando é necessário fazer coalizões com outras forças. É um sinal de maturidade política.”

O historiado­r Luis Alberto Romero considera que a divisão do peronismo definirá o resultado. “O partido se polarizou e existem duas fatias, uma mais à esquerda, com o governo, e outra mais à direita, que poderia ficar com Scioli ou migrar para Macri.”

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