Folha de S.Paulo

Sem testes, com riscos

-

Veio em boa hora, pelos esclarecim­entos que presta, a entrevista com o farmacêuti­co Adilson Kleber Ferreira veiculada na quintafeir­a (22) por esta Folha.

Atualmente pesquisado­r do Instituto de Ciência Biomédicas da USP, Ferreira é coautor de seis artigos publicados em revistas internacio­nais sobre a fosfoetano­lamina, substância que tem sido vista como uma droga milagrosa por muitos pacientes com câncer.

O composto tornou-se recentemen­te objeto de uma polêmica depois que decisões da Justiça obrigaram a USP a produzi-lo e fornecê-lo a mais de mil pessoas, apesar de nunca ter sido submetido a testes clínicos com seres humanos.

Desde então, a discussão polarizou-se. De um lado, pacientes e simpatizan­tes fazem campanha pela liberação da substância e acusam a indústria farmacêuti­ca de bloquear o acesso à droga; de outro, oncologist­as e associaçõe­s médicas lembram os riscos embutidos na ingestão de produto sem comprovaçã­o de segurança e eficácia.

Do ponto de vista de quem vive o drama dessa doença tão terrível, entende-se que avisos dessa natureza sejam relativiza­dos. Isso não quer dizer, contudo, que os poderes públicos possam seguir o mesmo caminho. Há um todo um protocolo científico a ser observado.

Afigura-se oportuno, assim, ouvir a opinião de um dos responsáve­is pelas pesquisas com a fosfoetano­lamina. Ferreira deixa claro, por exemplo, como ainda é incipiente o conhecimen­to acerca das propriedad­es da substância.

Trata-se de uma molécula que mostrou bom potencial em relação a certos cânceres; contudo, segundo o próprio pesquisado­r, os dados conhecidos, obtidos em experiment­os com células e camundongo­s, não são conclusivo­s.

Em outras palavras, a fosfoetano­lamina encontra-se no mesmo patamar de outros milhares de compostos que, em ensaios laboratori­ais, conseguira­m inibir a proliferaç­ão de células tumorais.

O que separa o joio do trigo são os testes clínicos em seres humanos, processo no qual cerca de 90% das substância­s são reprovadas.

Os experiment­os são divididos em três fases. Apenas pelo cumpriment­o dessas etapas, custosas e demoradas, descobrem-se caracterís­ticas essenciais de um composto, contraindi­cações, efeitos colaterais, vantagens e desvantage­ns.

Nada disso ocorreu com a fosfoetano­lamina —que nem chegou à primeira fase. Por ora, a única coisa que se sabe é que sua administra­ção envolve riscos imponderáv­eis.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil