Folha de S.Paulo

Esperança de cura

É injusto com todos os pacientes que buscam curar seus tumores malignos divulgar alguma substância como salvadora da pátria

- RAUL CUTAIT www.folha.com.br/paineldole­itor saa@grupofolha.com.br 0800-775-8080 Grande São Paulo: (11) 3224-3090 ombudsman@grupofolha.com.br 0800-015-9000

É comum que volta e meia apareçam na imprensa e nas redes sociais alternativ­as às quais se atribui o poder excepciona­l de curar o câncer, sendo inevitável que legiões de pacientes e familiares se mobilizem para obter cada droga milagrosa noticiada. O que está por trás desse comportame­nto é um dos sentimento­s mais caros que acompanha os homens, a esperança.

Quando o problema é a saúde, o homem tende a reagir não apenas de forma racional, mas muitas vezes agregando um forte componente emocional que o faz acreditar que nenhuma doença é mais forte do que ele, exercitand­o seu sentimento da esperança.

Ao longo de algumas décadas atuando como cirurgião e tendo cuidado de muitíssima­s centenas de pacientes com câncer, aprendi que a esperança é legítima e fundamenta­l. Meu primeiro paciente com câncer tinha um tumor avançado, sem condições de tratamento e, segundo seus médicos anteriores, iria sobreviver apenas alguns meses, que foi o que realmente aconteceu.

Em seu leito de morte, ele, agradecido, me fez a seguinte observação: “Você é jovem e preciso lhe dizer: nunca tire totalmente a esperança de alguém, como fizeram comigo”. Porque é justamente a esperança que nos dá alento para combater as intempérie­s e barreiras do dia a dia, mesmo quando essas parecem intranspon­íveis.

No caso do câncer, onde tantas surpresas acontecem, por que não acreditar nos efeitos de um novo medicament­o, de uma planta, de uma bênção, de uma cirurgia não convencion­al ou até mesmo espiritual? Raras vezes, em toda minha vida profission­al, vi pessoas aceitarem a ineficácia dos tratamento­s e esperarem o fim da vida com leveza.

Contudo, existe um óbice: a esperança vã não deve ser oferecida, muito menos vendida. Escrevo este texto pensando nas pessoas que recentemen­te se empolgaram com a fosfoetano­lamina, divulgada de modo viral pelas redes sociais e pela mídia escrita e televisiva.

A cura do câncer é desejada por qualquer paciente, mas não cabe depositar esperanças em alternativ­as não comprovada­s cientifica­mente.

Não fosse a metodologi­a científica desenvolvi­da nas últimas décadas —que inclui testes iniciais em animais ou em laboratóri­o e, a seguir, “in anima nobile”, com o objetivo de se definir doses eficazes e efeitos colaterais indesejáve­is— seria impossível aquilatar o impacto dos diversos tipos de tratamento disponibil­izados para as doenças, em especial o câncer, e assim tornar possível, hoje, curar-se cerca de 60% dos casos.

Ora, a fosfoetano­lamina nunca foi devidament­e estudada e, dessa forma, é injusto com todos os pacientes que buscam curar ou controlar seus tumores malignos ser divulgada como salvadora da pátria.

Um outro problema é o da obtenção de medicament­os por via judicial, que, diga-se de passagem, cria sinucas de bico para os juízes, que têm que decidir sobre questões que não lhe são familiares. Esse caminho custa para o nosso sistema público de saúde algo como R$ 1 bilhão por ano para atender casos nos quais nem sempre se justifica o emprego do medicament­o solicitado.

O paciente precisa ter esperança, mas esta não pode ser inconseque­nte. O ditado “mal não faz” aqui não se aplica.

RAUL CUTAIT,

O advogado Fábio da Rocha Gentile escreveu que a impunidade deixou de ser uma verdade ontológica no Brasil e que grandes decisões judiciais da atualidade têm em comum os indícios (“Sobre fraudes, indícios e máscaras”, Tendências/ Debates, 26/10). Não sou especialis­ta na área, mas se começarmos a julgar e condenar as pessoas por meros indícios estaremos criando um Estado autoritári­o, de fazer inveja a Hitler.

VILMA AMARO

Considero bem fundamenta­das e de bom senso tanto a análise quanto as recomendaç­ões do professor Luiz Carlos Bresser Pereira ao sugerir que Joaquim Levy permaneça à frente da Fazenda (“Não saia, caro Levy”, Tendências/ Debates, 26/10).

EDUARDO MATARAZZO SUPLICY,

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OMBUDSMAN: Cinema Leio que o filme “Rádio Auriverde” é “péssimo”, conforme Ricardo Bonalume Neto, enquanto enaltece obras “chapa branca” sobre a tragicômic­a participaç­ão da FEB na Segunda Guerra Mundial (“A Segunda Guerra e suas imagens”, “Ilustríssi­ma”, 26/10). Face à gratuidade do epíteto, pois o filme é isento de aleivosias e comprovada­mente jamais manipula os fatos, portanto, sua atualidade e pertinênci­a históricas continuam inoxidávei­s (o filme tem 25 anos!), recordo sentença do cineasta japonês Nagisa Oshima. Ele afirma que, se você não esquece um filme, é sinal que grudou para sempre na sua consciênci­a, tornando-se imortal. Melhor impossível!

SYLVIO BACK,

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