Folha de S.Paulo

ENTRE DITADURAS

- NINA RAHE

Quase toda vez que se fala do argentino León Ferrari, morto em 2013, aos 92 anos, um aposto segue após seu nome —a informação de que ele foi considerad­o pelo “New York Times” um dos cinco artistas mais importante­s e provocador­es do mundo.

Em entrevista concedida no último ano de sua vida, quando questionad­o sobre o título, Ferrari riu e fez que não deu bola: “Não acho que exista ‘New York Times’, nem ‘Le Monde’, nem ninguém que possa consagrar uma pessoa. O que talvez possa um pouco é a obra que ela faz”, disse.

E é parte dessa produção, que de fato o consagrou, que estará exposta até dia 21 de fevereiro de 2016 no Masp (Museu de Arte de São Paulo), preenchend­o duas salas da galeria do primeiro subsolo.

O argentino, por mais inusitado que pareça, é o artista contemporâ­neo que possui maior representa­tividade em número de obras no acervo da instituiçã­o, segundo os curadores Julieta González e Tomás Toledo.

Antes de deixar o Brasil — onde se exilou por 15 anos, de 1976 a 1991, após ter um filho sequestrad­o e morto no regime ditatorial da Argentina—, Ferrari fez doações de trabalhos para a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Museu de Arte Contemporâ­nea e o Masp, para o qual cedeu 81 peças, que incluem impressões em xerox, gravuras e desenhos.

À exceção de duas pinturas da década de 1990, um objeto, duas esculturas e uma série de xerox, todas podem ser vistas na exposição “León Ferarri: Entre Ditaduras”, que possui o mérito de apresentar pela primeira vez os trabalhos em conjunto.

“Quisemos concentrar no período em que León esteve no Brasil, porque ele fugiu de um regime ditatorial para um país que também estava vivendo sob ditadura”, explica Julieta, curadora-adjunta no Masp e curadora chefe do Museu Jumex, na Cidade do México.

O argentino, cujo pai era um artista italiano que pintava afrescos em igrejas, ajudando também a construi-las e restaurá-las, chegou a dizer que existem duas formas de se fazer arte: uma, completame­nte inofensiva; outra, contestató­ria, política, contra o poder e contra a religião. BLASFEMO As obras produzidas no período em que viveu no Brasil, certamente, fazem parte desse segundo time, dando continuida­de à forma de pensamento do artista que tem como sua peça mais famosa “A Civilizaçã­o Ocidental e Cristã”, de 1965 —um avião de bombardeio americano com uma estátua de Cristo fixada nele.

Em 2004, inclusive, Ferrari foi chamado de “blasfemo” pelo papa Francisco, na época ainda arcepisbo Jorge Mario Bergoglio.

Entre os trabalhos exibidos no Masp, o artista critica nas séries “Paraherege­s” (1986) e “Paraherege­s II” (1988) o conservado­rismo da Igreja Católica, justapondo imagens renascenti­stas a cenas eróticas e passagens apocalípti­cas ao sexo explícito.

Já em algumas obras que pertencem a “Xerox” (19721986), Ferrari povoa edifícios e labirintos com a representa­ção da figura humana repetida à exaustão, uma forma de discutir o controle da população e sua regulament­ação pelo Estado.

Os desenhos seduzem o espectador pelo nível de detalhes e exigem atenção, causando uma absorção quase religiosa. QUANDO ter.adom.,das10hàs 18h; até 21/2/2016 ONDE Masp, av. Paulista, 1.578, tel. (11) 3149-5959 QUANTO R$ 12 a R$ 25, grátis às terças, durante todo o dia, e às quintas, a partir das 17h

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 ?? Fotos Divulgação ?? ‘Autopista del Sur’ e ‘Duas Ruas’, obras doadas pelo artista León Ferrari ao Museu de Arte de São Paulo, ambas de 1981
Fotos Divulgação ‘Autopista del Sur’ e ‘Duas Ruas’, obras doadas pelo artista León Ferrari ao Museu de Arte de São Paulo, ambas de 1981

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