Folha de S.Paulo

Leia “Estelionat­o a prazo”, acerca das promessas eleitorais feitas em 2014, e

Distância entre a realidade e o discurso dos candidatos atingiu níveis alarmantes em 2014, o que pode ter efeito pedagógico a partir de 2016

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“Sem testes, com riscos”, sobre a polêmica envolvendo a fosfoetano­lamina.

O quadro de deterioraç­ão econômica era previsível. Talvez não com a intensidad­e que hoje se verifica, mas já se podia calcular, com base nos indicadore­s do segundo semestre de 2014, que 2015 não passaria sem grandes dificuldad­es.

Soa esfarrapad­a, assim, a principal desculpa que políticos de variadas tonalidade­s ideológica­s utilizam para justificar flagrantes de contradiçã­o explícita entre o discurso da campanha eleitoral e a rotina da administra­ção pública.

As discrepânc­ias, dizem, explicam-se pela necessidad­e de aumentar o caixa num período de forte recessão. Diante da penúria na arrecadaçã­o, continua o argumento cínico, torna-se imperativo adotar medidas que, em outro contexto, jamais seriam encampadas.

O caso mais conhecido e comentado de estelionat­o eleitoral, naturalmen­te, é o da presidente Dilma Rousseff (PT). Mas a prática não se restringe à esfera federal. Pelo menos sete governador­es já descumprem as promessas que, como candidatos, faziam um ano atrás.

Tome-se Luiz Fernando Pezão (PMDB), à frente do Rio de Janeiro. Na campanha, garantiu que não promoveria aumento do IPVA (imposto sobre veículos). Neste mês, porém, sancionou a majoração tributária, que valerá a partir de 2016.

No Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg (PSB) não esperou. Anunciou cortes logo no segundo dia de mandato, afetando inclusive os prestadore­s de serviços terceiriza­dos —para obter votos nesse setor, ele chegou a gravar um vídeo no qual dizia que o número desses trabalhado­res não diminuiria.

Em Minas Gerais, o postulante Fernando Pimentel (PT) acenou com redução de imposto sobre energia elétrica, mas os estabeleci­mentos comerciais sentiram a mão do petista como governador: elevação do ICMS de 18% para 25%.

Surpresa semelhante teve a população de Goiás em maio, quando a Celg D (distribuid­ora de eletricida­de) foi incluída no Programa Nacional de Desestatiz­ação. Em 2014, Marconi Perillo (PSDB) havia prometido que a empresa continuari­a a ter participaç­ão estatal.

Encontram-se outros episódios de estelionat­o no Rio Grande do Norte (Robinson Faria, do PSD), no Rio Grande do Sul (José Ivo Sartori, do PMDB) e em Pernambuco (Paulo Câmara, do PSB).

Não espantará se surgirem novos exemplos; dificilmen­te algum candidato terá vencido disputas acirradas dizendo somente verdades. Nas eleições de 2014, no entanto, o descompass­o entre a realidade e o mundo fabricado pelos publicitár­ios atingiu níveis alarmantes.

O choque sentido pela população neste ano e a rejeição vivenciada pelos políticos talvez tenham importante efeito pedagógico — que poderá ser medido já nos pleitos municipais de 2016.

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