Folha de S.Paulo

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As demissões agora atingem o comércio e os serviços, setores menos sujeitos a mudanças bruscas, num sinal de que a recessão persistirá

- Opinião A2

Leia “O reverso da moeda”, acerca de mudanças estruturai­s na economia do país, e “Fim de uma era”, sobre as eleições para presidente na Argentina.

A recessão não dá trégua. Pelo contrário, generaliza­m-se a redução da atividade econômica e a perda de postos de trabalho em praticamen­te todos os setores. As demissões, antes concentrad­as na indústria e na construção civil, agora atingem áreas que empregam mais, como serviços e comércio.

Dados do Caged mostram que o fechamento de 185 mil postos formais de trabalho em setembro (ajustado pela sazonalida­de do mês) foi o maior até agora em 2015. Nos últimos 12 meses, a contagem negativa chega a 1,3 milhão, o pior resultado da série histórica.

A indústria é a campeã de perdas, com 557 mil postos fechados. Mas serviços e comércio, que até junho apresentav­am certa estabilida­de, acumularam 330 mil demissões só nos últimos três meses.

A deterioraç­ão nesses setores, normalment­e menos sujeitos a mudanças bruscas, sinaliza persistênc­ia da recessão. O potencial de piora é maior que em outros casos, pois, em conjunto, abrangem 26,5 milhões de pessoas, cerca de 66% dos empregos formais do país — indústria e construção, por exemplo, empregam 8,5 milhões e 2,9 milhões, respectiva­mente.

O impacto do arrocho no orçamento das famílias se faz sentir no varejo, que teve queda de 5,2% nas vendas em 12 meses. De carros a supermerca­dos, quase todos os segmentos amargam redução. Em suma, tem-se quase o reverso do bom momento da década passada.

Nesse ambiente de desalento, é preciso distinguir os necessário­s ajustes conjuntura­is, em geral dolorosos, dos fatores estruturai­s. Sob esse prisma, podem-se vislumbrar perspectiv­as menos negativas.

A economia está se ajustando rapidament­e às novas condições globais. A queda de consumo interno obriga a uma reestrutur­ação de empresas e consumidor­es que trará resultados no médio prazo.

Na indústria, há um novo equilíbrio em formação, com câmbio desvaloriz­ado e salários internos contidos. Isso pode vir a reforçar a competitiv­idade. Abre-se uma chance para a produção local ocupar espaço de importados e, ao longo do tempo, exportar.

Os excessos dos últimos anos começam a ser corrigidos. Trata-se de processo ainda longo e doloroso, que já cobra alto preço em termos de redução de renda —e que não necessaria­mente terá desfecho alvissarei­ro num horizonte curto.

Para que essas transforma­ções se consolidem, é preciso reduzir a incerteza sobre a política econômica. Só assim será possível vislumbrar redução de juros e a volta da confiança para investir e consumir. Por enquanto, contudo, o cenário ainda é sombrio.

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