Folha de S.Paulo

A vila literária

-

RIO DE JANEIRO - Se você ainda gosta de livros impressos —aqueles que simbolizam a nossa superiorid­ade junto aos plânctons e amebas—, uma utopia começa a se realizar: uma cidade em que tudo gire em torno dos livros, em que eles estejam por toda parte e, antes de ser lidos, possam ser até respirados. É Óbidos, uma vila medieval portuguesa, a 80 km de Lisboa, com apenas 87 habitantes dentro de suas muralhas, mas com gente vinda de fora para sustentar e cuidar de suas 11 livrarias. Eu disse 11.

Essas livrarias estão situadas em lojas comuns, caves de vinho, galerias de arte, uma mercearia (livros ficam bem entre bancas de peras e molhes de couve-flor) e até uma igreja dessacrali­zada. Uma das maneiras de manter a cidade cheia pelas quatro estações será a realização de cinco festivais literários por ano —um deles, o Folio (Festival Literário Internacio­nal de Óbidos), de cuja primeira edição participei na semana passada.

O homem por trás disso tudo é um livreiro com os pés firmemente plantados nas nuvens: João Pinho, cuja rede de lojas em Lisboa tem um nome que já diz tudo —Ler Devagar. Para ele, os autores têm mais a dizer do que põem nos livros, daí reuni-los em mesas e debates, e chamar o público. O público foi.

E só Óbidos poderia gerar Telmo Faria, que acaba de inaugurar um “hotel literário”, o Literary Man Hotel. Nas áreas comuns nunca se está a mais de um braço de distância de uma estante e, em breve, 50 mil livros se distribuir­ão até pelos quartos. No futuro, quando eu disser que ajudei a inaugurar o Literary Man, as pessoas me olharão com espanto e fingirão acreditar.

Óbidos foi tomada pelos portuguese­s aos mouros no século 12. Virou dote de rainhas e sempre esteve na história oral de Portugal. Mas só agora penetra na era de sua história escrita.

ANTONIO DELFIM NETTO

ideias.consult@uol.com.br

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil