Folha de S.Paulo

Tortura por PM teve ‘faca do Rambo’ e choque, diz preso

Rapaz diz que agressões começaram após ele afirmar ‘não precisa me algemar’

- ROGÉRIO PAGNAN LUCAS FERRAZ JULIA BOARINI ZONA LESTE

Vídeo com versão de assaltante foi gravado pela Polícia Civil; defesa de sargento diz que preso foi induzido

“Eles me perguntara­m se eu queria que me algemassem. Eu falei: ‘não precisa me algemar’. Foi a hora que o ‘polícia’ me deu um tapa na cara.”

Foi assim que, segundo a versão de um homem preso na zona leste de São Paulo, começou a sequência de agressões na semana passada que resultou na prisão de um PM sob suspeita de tortura.

“Os ‘polícia’ parou [sic] em frente aos bombeiros da [rua] Luís Mateus, [Guaianases]. Estavam com [arma de] choque, uma ‘faca do Rambo’ [faca grande com serra na parte de trás] e um canivete. E começaram a me ameaçar. Colocaram a faca no meu peito, o canivete”, afirma Afonso de Oliveira Trudes, 23, em um vídeo ao qual a Folha teve acesso, gravado pela Polícia Civil durante a prisão dele na terça (20).

O episódio resultou na prisão do policial militar pelo delegado e levou colegas do PM a cercar a região do 103º DP (Itaquera), expondo a disputa entre as duas polícias.

O rapaz foi preso após ter roubado R$ 60 em uma loja de sapatos com uma arma de brinquedo. Ao ser levado à presença do delegado Raphael Zanon, Trudes disse ter sido agredido pelos PMs mesmo tendo confessado a prática do crime e revelado nome e endereço do comparsa.

O delegado pede na gravação que Trudes mostre no próprio corpo onde foi agredido. O rapaz levanta a camiseta e aponta no peito ferimentos supostamen­te provocados pela faca e pela arma de choque.

As marcas vermelhas nas costas seriam, de acordo com ele, resultado de socos.

As agressões teriam sido motivadas, segundo a versão do preso, porque os PMs queriam outra arma além daquela de brinquedo apreendida. “Eles queriam o revólver, seu doutor. Um revólver. Eles queria um de verdade. O meu [simulacro], eu tinha dispensado, mas eles acharam.”

O trecho do vídeo obtido pela Folha não cita choques no pênis, conforme consta do boletim de ocorrência.

O sargento Charles Otaga, que foi preso sob suspeita de tortura, alega que os ferimentos detectados no corpo do suspeito pela perícia foram provocados pela bicicleta no transporte para a delegacia.

Charles Otaga foi colocado em liberdade por determinaç­ão do Tribunal de Justiça na última sexta-feira (23). INDUZIDO O advogado Fernando Pittner, defensor do sargento, afirma que a versão do preso é “repleta de contradiçõ­es”.

“Primeiro ele disse que se machucou com a bicicleta. Depois, talvez induzido pelo delegado, disse que foi torturado. Isso não ocorreu”, diz.

O assaltante nega na filmagem ter caído da bicicleta no momento da abordagem.

A secretaria da Segurança Pública do governo Geraldo Alckmin (PSDB) diz que esse caso está sendo investigad­o, mas que exame de corpo de delito afastou a alegação de agressões por choques elétricos citadas pelo indiciado.

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Reprodução Em vídeo, assaltante mostra marcas nas costas

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