Adaptação de clássico de Dario Fo discute realidade brasileira sem cair no simplismo
É uma comédia de companhia, com personagens ou tipos delineados, caricaturas da sociedade moderna, mas que poderiam estar em uma comédia de feira medieval, de que o autor Dario Fo tanto gosta.
Henrique Stroeter faz um delegado grosseirão, muito engraçado. Fernando Sampaio, um comissário baixinho, de humor físico e esgares que remetem ao cinema pastelão.
Maira Chasseraux cria uma jornalista desconfiada e desconfiável —que não tem a menor ideia do que está acontecendo na delegacia.
Riba Carlovich, o secretário da Segurança, é o “straight man” das farsas, aparentemente sério, mas que se descontrola com grande efeito, um destaque da montagem.
Mas o foco da atenção desta “Morte Acidental de Um Anarquista” é o protagonista, o Louco de Dan Stulbach.
Não era tarefa fácil encontrar o eco certo para a loucura de Dario Fo, no que ela revela não sobre o caso do anarquista morto acidentalmente pelos policiais, mas sobre a sociedade brasileira, hoje.
As circunstâncias são outras, em relação à Itália de quase meio século atrás e até à encenação histórica com Antonio Fagundes nos anos 1980, ainda de questionamento da ditadura no Brasil.
Stulbach tratou de ampliar a dificuldade da tarefa, ao responder à realidade política, jurídica e policial brasileira sem cair no simplismo.
Por exemplo, na cena capital em que o Louco fala ao público e tenta acordá-lo para o que está por trás de tudo aquilo, não questiona nem enaltece o escândalo: aborda-o pelo que tem de revelador e pelo que esconde.
Em meio a um discurso de aparente desatino, lembra que está nas mãos das pessoas a responsabilidade —e daí a solução. Exorta a tomarem consciência, o poder. É uma atualização tópica que se mantém à altura da inteligência do original. Não há saída fácil.
Dito isso, nem tudo funciona com precisão no humor. Ainda são evidentes, apesar das semanas em cartaz, os problemas de ritmo. Gasta-se tempo excessivo para explicar a peça e abusar dos dotes cômico-sonoros do músico Rodrigo Geribello.
Mas mesmo naquele início o resultado é bom, por exemplo, quando Stulbach pede palavras aos espectadores para depois enxertálas nas falas do Louco, ao longo da peça, tornando-os coautores —o que deixaria Dario Fo exultante. QUANDO qua. e qui., às 21h; até 10/12 ONDE Teatro Porto Seguro, al. Barão de Piracicaba, 740, tel. (11) 3226-7300 QUANTO R$40eR$50 AVALIAÇÃO muito bom