Folha de S.Paulo

O que está ruim na Saúde hoje vai piorar ainda mais

NOVO MINISTRO DA SAÚDE AFIRMA QUE NÃO HAVERÁ RECURSOS PARA PAGAR TODOS OS SERVIÇOS CONTRATADO­S POR SUA PASTA NESTE ANO

- MARCELO CASTRO

O ministro da Saúde, Marcelo Castro, disse em entrevista a Natália Cancian que repasses a ações como o Farmácia Popular devem atrasar em 2015 por falta de verba. “O que hoje está ruim vai piorar.” Segundo ele, a pasta deve ter em 2016 deficit de ao menos R$ 7,5 bilhões.

DE BRASÍLIA

Em sua primeira entrevista após assumir o cargo, o novo ministro da Saúde, o médico e deputado federal Marcelo Castro (PMDB-PI), disse à Folha que, diante da restrição orçamentár­ia, deve atrasar o repasse de recursos para hospitais e programas como o Farmácia Popular já em dezembro deste ano.

A previsão é que 50% da verba destinada para a área de média e alta complexida­de, que abrange o atendiment­o em pronto-socorro e realização de cirurgias e exames, seja paga apenas no início de janeiro.

Segundo Castro, o novo modelo de cálculo de financiame­nto da Saúde, aprovado neste ano pelo Congresso, deve trazer um deficit de ao menos R$ 7,5 bilhões em recursos para 2016. “O que hoje está ruim vai piorar.”

Para obter recursos, o ministro defende a aprovação de uma nova CPMF compartilh­ada entre União, Estados e municípios —em uma proposta na qual os últimos, porém, teriam a arrecadaçã­o exclusivam­ente para a saúde.

Na entrevista, o ministro defendeu “intensific­ar” o Mais Médicos e disse que novos programas como o Mais Especialid­ades, bandeira de Dilma Rousseff na sua campanha, dependerão da liberação de recursos. Folha - O senhor disse a secretário­s que não haverá recursos para pagar todos os serviços contratado­s neste ano.

Marcelo Castro - No ano passado isso já aconteceu. O pacote de ações de média e alta complexida­de [como hospitais e Santas Casas] só foi pago 70% em dezembro e 30% no dia 2 de janeiro. Neste ano, não temos hoje dinheiro para pagar alguns serviços. Quais serviços?

Média e alta complexida­de (MAC), Farmácia Popular e outros mais. Para MAC, só temos recursos para 50% do que foi faturado em dezembro [cerca de R$ 3 bilhões; no caso da Farmácia Popular, cujo repasse mensal é de R$ 260 milhões, o percentual a ser pago ainda será definido, informa o ministério].

Estamos buscando alternativ­as para ver se a gente consegue pagar tudo este ano. Se não conseguirm­os, não trará transtorno porque em janeiro nós pagaremos. A grande preocupaçã­o não é de quem está prestando o serviço, é do próprio ministério, porque vamos ter em 2016 um Orçamento menor.

Qual a previsão para o ano que vem? Faltará recursos?

O Orçamento está sendo construído ainda. O problema de 2016 é que, pela nossa sistemátic­a que é a emenda constituci­onal 86 [orçamento impositivo, aprovado pelo Congresso neste ano e que mudou o financiame­nto da saúde] o governo está sendo obrigado a gastar em ações e serviços públicos de saúde, que são despesas obrigatóri­as, 13,2% das receitas correntes líquidas.

Isso dá um orçamento para a Saúde de R$ 100,2 bilhões [o deste ano, sem os cortes orçamentár­ios, era R$ 121 bilhões]. Se não tivesse essa regra e a gente aplicasse apenas a inflação do Orçamento deste ano para o do ano que vem, ele seria de R$ 107,7 bilhões. Essa regra nova já traz um deficit de R$ 7,5 bilhões. Se o Orçamento deste ano não tem dinheiro para pagar tudo, e se o do ano que vem é menor, como vai ser?

Nesse momento, não dá para pensar em programa novo ou aumentar despesas. Vamos manter o que está funcionand­o e não deixar de prestar serviços. Ainda assim, pode haver cortes? A proposta enviada ao Congresso para 2016 também previa menos recursos para hospitais e Farmácia Popular.

Estamos conversand­o com a área econômica, com o relator do orçamento e Casa Civil. O argumento central é que um ministério que vai fazer uma obra física pode fazer em outro momento. O nosso não pode interrompe­r os serviços que vem prestando. Temos certeza que a área econômica do governo vai ser sensível a isso. A saúde tem que ter atenção especial. Estamos tratando de vidas humanas. Os serviços já estão contratado­s. Não podemos chegar em outubro do ano que vem e dizer: parem o tratamento de câncer, as cirurgias e as hemodiális­es e vamos recomeçar em janeiro. E qual a solução?

Mais recursos. A área econômica tem uma proposta que é a CPMF. Ela é mais importante no momento para os Estados e municípios, principalm­ente para os municípios, que estão gastando além do mínimo constituci­onal porque são premidos pela demanda da sociedade. E entraria para melhorar a saúde. Há um consenso de que padecemos de dois problemas centrais na saúde: subfinanci­amento e problemas de gestão, que envolve inclusive a má aplicação e o desvio de recursos. Está aí a CPI das órteses e próteses. O senhor tem conversado com a presidente sobre a CMPF? Deve levar para a saúde? O Planalto já descarta que seja aprovada neste ano.

O que estamos argumentad­o junto à área econômica é que a CPMF proposta inicialmen­te para a Previdênci­a vá para a seguridade social (saúde, previdênci­a e assistênci­a social), para União e Estados, e exclusivam­ente para a saúde para municípios. Mas e se não passar? Há outras alternativ­as estudadas?

O governo não fecha suas contas sem aporte de recursos, sem mais impostos. Seja CPMF, CIDE (tributo cobrado sobre combustíve­is), repatriaçã­o de recursos ou IOF. Quais devem ser as prioridade­s de sua gestão?

Vamos priorizar a atenção básica. E vamos também fazer ajustes no cartão SUS, de modo que o paciente possa levar seu prontuário para onde for. Isso vai ser integrado com secretaria­s de saúde e muito provavelme­nte com os planos de saúde. Também vamos investir na regionaliz­ação. O ideal é que o paciente só saísse da região no caso de doenças graves.

[A solução é ter] mais recursos. A área econômica tem uma proposta que é a CPMF. (...) Há um consenso de que padecemos de dois problemas centrais na saúde: subfinanci­amento e problemas de gestão, que envolve inclusive a má aplicação e o desvio de recursos. Está aí a CPI das órteses e próteses “

Estamos buscando alternativ­as para ver se a gente consegue pagar tudo este ano. Se não conseguirm­os, não trará transtorno porque em janeiro nós pagaremos. A grande preocupaçã­o não é de quem está

 ??  ?? O ministro da Saúde, Marcelo Castro, durante evento sobre novo tratamento para Hepatite C no dia 20 de outubro
O ministro da Saúde, Marcelo Castro, durante evento sobre novo tratamento para Hepatite C no dia 20 de outubro

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil