Folha de S.Paulo

ANÁLISE Documento sobre meta fiscal expõe impotência do governo

- GUSTAVO PATÚ

O governo não tem mais um objetivo para o saldo de suas contas; o que se chamava de meta fiscal agora não passa de uma tentativa de estimar, com grande imprecisão, o tamanho do rombo.

No documento divulgado para explicar mais uma mudança drástica das projeções, a equipe econômica faz uma confissão, nas entrelinha­s, de que o famigerado ajuste orçamentár­io foi tão eficaz quanto enxugar gelo.

Em números: os gastos não obrigatóri­os serão reduzidos neste ano em R$ 22 bilhões, enquanto as demais despesas ficarão R$ 97 bilhões acima do montante de 2014.

Isso acontece porque os pagamentos de salários, aposentado­rias e benefícios sociais são protegidos por leis, que o governo não consegue alterar, e crescem a cada ano.

Tudo somado, os desembolso­s federais chegarão, na menor das hipóteses, a R$ 1,1 trilhão, num cresciment­o de 7% —abaixo da inflação, mas só porque a inflação disparou e vai superar o dobro da meta oficial de 4,5%.

Do lado das receitas, houve erros brutais de cálculo: a nova previsão é inferior em mais de R$ 100 bilhões à divulgada no primeiro semestre. A recessão, argumenta o governo, foi muito mais severa do que o esperado.

O documento aponta que a estimativa para o encolhimen­to da economia brasileira neste ano passou de 1,7%, em julho, para algo em torno de 3% agora.

“Essa revisão de expectativ­as e dificuldad­e de previsão se explicam porque uma di- minuição da atividade econômica dessa magnitude é fora do comum.”

Se é assim, as perspectiv­as para 2016 são igualmente incomuns. De julho para cá, as expectativ­as para a economia no próximo ano passaram de uma expansão de 0,5% para uma queda de 1,4%.

Também não parecem promissora­s as chances de uma reversão da “incerteza política que estaria pesando sobre a confiança geral, atrasando a recuperaçã­o da economia”, nas palavras do texto.

E o governo já não consegue ver mais como nem por quê cortar mais despesas não obrigatóri­as, especialme­nte com obras públicas.

Um arrocho adicional deprimiria ainda mais a economia e a arrecadaçã­o.

Ou, no jargão tecnocráti­co do documento, “a rigidez do gasto obrigatóri­o continua a reduzir a participaç­ão das despesas contingenc­iáveis no total do gasto primário, tornando a ampliação do contingenc­iamento extremamen­te difícil e, até certo ponto, contraprod­ucente”.

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