Folha de S.Paulo

Um temporal na calmaria

- VINICIUS TORRES FREIRE

UM MINUTO antes de o banco central dos Estados Unidos anunciar seu oráculo sobre o futuro das taxas de juros, o dólar caía uns 0,7% em relação ao preço de terça-feira. Às 16h de ontem, os povos do mercado pularam de susto quando o BC americano, o Fed, deu uma dica ainda remota de possível alta de juros por lá, em dezembro.

Às 16h20, o dólar subia 0,9%. Uma virada radical, para quem trabalha com dinheiro grosso. No final do dia, fechou em alta de ainda quase 0,7%. O euro subiu ainda mais, como tantas moedas e os juros na praça americana.

Pode ter sido apenas um susto, um acerto de contas passageiro. Pode ser o início de uma grande inimizade. Sabe-se lá. Isso importa um tanto para o Brasil, embora a esta altura a interpreta­ção dos efeitos de uma alta de juros nos Estados Unidos seja cada vez mais controvers­a, aqui e alhures. De qualquer modo, é mais risco para nós, que estamos com água suja pelo nariz.

Note-se que a calmaria financeira que víamos desde o início de outubro se devia em grande parte à suposição de que a virada monetária americana tinha ficado pelo menos para o ano que vem.

O que virá, repita-se, é incerto. Mesmo os donos do dinheiro do mundo e seus melhores porta-vozes dão interpreta­ções disparatad­as. Desde maio de 2013, quando começou a novela dos juros americanos, aconteceu de tudo e seu contrário, além de tumultos financeiro­s e corridas exageradas do dólar que ajudaram a empurrar o Brasil para o buraco sombrio onde está.

Ontem, o oráculo do Fed insinuou que não se deve descartar uma alta de juros no dia 16 de dezembro, próxima reunião do comitê de política monetária, o Copom deles. Em setembro, o Fed parecia ter motivos para esperar. Dado que tais fatores não mudaram muito, não se esperava grande novidade agora.

Em setembro, discutia-se o risco de um dólar forte demais afetar o cresciment­o americano (em tese juros mais altos, dólar mais forte, mais importaçõe­s). Pensava-se que juros mais altos poderiam prejudicar a China e economias emergentes, um baque que poderia repercutir nos EUA. A inflação americana continuava, como continua, muito baixa. De resto, não houve sinais de aqueciment­o maior da economia —ao contrário, começou até um boato meio adoidado sobre risco de recessão.

De novidade maior, o tumulto provocado por más notícias na China passou. O mundo emergente continua em baixa, porém. Nem poderia ter havido notícia relevante sobre esse assunto em período tão curto.

Enfim, pareciam esses os motivos da surpresa e dos solavancos da tarde de ontem.

O que vai acontecer com a virada monetária americana depende um tanto do ritmo da alta de juros, do que a Europa fará de sua pasmaceira (pode haver mais estímulos em dezembro), de haver ou não novos solavancos na transição chinesa, de possíveis esqueletos escondidos em algum armário da grande finança mundial etc.

Para nós, ressalte-se, os riscos aumentam. Um descrédito ainda maior do governo (desconfian­ça maior no futuro das contas públicas), inflação em alta, taxa de juros parada por aqui e em alta lá fora montam uma equação que pode ter como resposta uma baita desvaloriz­ação do real. Para começar.

Mercados financeiro­s no Brasil andavam meio calmos, graças à calmaria no exterior

vinicius.freire@grupofolha.com.br

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