Folha de S.Paulo

Cegos no tiroteio

- LAURA CARVALHO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Bernardo Guimarães; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo: Samuel Pessôa

DIANTE DA recessão de 3% do PIB projetada para 2015, começam a aparecer notícias de que o governo está estudando medidas de estímulo ao crédito ao consumidor. Essa expansão viria de uma redução pelo Banco Central das exigências de manutenção de capital próprio e reservas compulsóri­as pelos bancos, condiciona­da ao maior desembolso de crédito para consumo.

As medidas de estímulo e desestímul­o ao crédito são mais um exemplo do zigue-zague da política econômica dos governos Dilma Rousseff, que tem se especializ­ado também em errar o timing das decisões tomadas, sobretudo por ceder a pressões de quem só deseja desestabil­izar seu governo ou ver atendidos seus interesses imediatist­as.

Após a eclosão da crise de 2008, ficou claro nos países avançados que o estímulo ao crédito jamais pode ser usado como compensaçã­o pela estagnação dos salários e pelo aprofundam­ento das desigualda­des. Isso porque um endividame­nto maior sem cresciment­o da renda serve apenas para dar sobrevida ao consumo e alimentar bolhas financeira­s, mostrando-se, mais cedo ou mais tarde, insustentá­vel.

Os efeitos de utilizar o crédito como substituto dos salários ainda se fazem sentir nessas economias, que sofrem com os esforços de redução de consumo para o pagamento de dívidas acumuladas pelas famílias.

A expansão do crédito no Brasil nos anos 2000 felizmente não seguiu essa fórmula. As restrições no acesso ao crédito foram reduzidas justamente quando os salários cresciam, o nível de emprego subia e a desigualda­de caía.

As linhas de crédito consignado, por descontare­m os pagamentos diretament­e da folha de salários dos tomadores, preservam uma relação estrita com sua condição financeira.

Mesmo assim, quando a economia cresceu 7,6% em 2010, os temores de um possível superaquec­imento da demanda levaram o governo a frear a expansão do crédito com medidas macroprude­nciais restritiva­s sobre algumas linhas de financiame­nto. Tais medidas, quando somadas ao ajuste fiscal realizado em 2011 e ao impacto inflacioná­rio da desvaloriz­ação cambial de 2011 e 2012, serviram para desacelera­r o consumo.

Com o mercado interno minguado e o externo também, os empresário­s pararam de investir e o governo se dedica desde então a procurar novas fontes de cresciment­o nos lugares mais improvávei­s.

Tentou primeiro ressuscita­r o investimen­to com desoneraçõ­es fiscais custosas, só para se deparar com a realidade de que os empresário­s não compram novas máquinas quando não estão sequer produzindo e vendendo tudo aquilo que podem.

Neste ano o governo partiu para as oferendas aos empresário­s e ao mercado financeiro por meio do ajuste fiscal e das altas taxas de juros, apelando para motores ainda mais místicos do cresciment­o, sem notar que na verdade o enterrava.

Ao se deparar mais uma vez com a realidade, o governo estaria apostando agora na volta do crédito, em vez de tentar preservar salários e empregos. Se for verdade, a notícia preocupa mais por revelar o quão perdido está do que propriamen­te por seus desdobrame­ntos.

Não que substituir renda por crédito não seja sempre perigoso, mas a dúvida é se tais medidas terão qualquer efeito em uma economia em que consumidor­es e bancos não têm nenhuma razão para arriscar.

As notícias de possível estímulo ao crédito preocupam por mostrar quão perdido o governo está

LAURA CARVALHO,

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