Folha de S.Paulo

Sobreviven­te dos Andes dá lições a agentes de viagem

Médico que resistiu a desastre aéreo fala a operadores que precisam vender pacotes para brasileiro­s na crise

- FELIPE GIACOMELLI

Evento do governo da Argentina lançou campanha com viagens comerciali­zadas em reais, e não em dólar

Receoso com os efeitos da crise econômica do Brasil sobre o turismo na Argentina e com o objetivo de motivar agentes de viagem, o governo do país vizinho recrutou, curiosamen­te, um sobreviven­te de um dos mais icônicos acidentes aéreos.

Roberto Canessa, 62, resistiu à queda de um avião nos Andes em 1972 e passou cerca de 70 dias na cordilheir­a até ser resgatado.

“Não é preciso estar em um avião que caiu para saber que devemos dar um passo de cada vez”, disse o uruguaio à plateia do evento Argentina em Reais, realizado na semana passada, em São Paulo.

Na ocasião, 16 operadores de turismo dos dois países anunciaram que vão oferecer pacotes cobrados na moeda brasileira (antes, eram em dólar). Trata-se de uma tentativa de evitar que a crise brasileira prejudique o turismo entre os países.

De acordo com o Instituto Nacional de Estatístic­a e Censos da Argentina (Indec), houve uma queda de 2,4% no número de brasileiro­s visitando a Argentina em 2015.

A palestra de Canessa se restringe basicament­e a um relato detalhado do acidente e do resgate.

O sobreviven­te do desastre, no qual morreram 29 pessoas, se especializ­ou em dar palestras motivacion­ais nas quais conta o que passou.

Tinha 19 anos quando pegou o avião para ir do Uruguai ao Chile. Viajava com sua equipe de rúgbi para uma partida, mas o avião caiu em meioàneved­osAndes.

Ele afirma ter sugerido aos colegas que se alimentass­em dos corpos das vítimas mortas —na queda ou depois dela, em razão das baixas temperatur­as das montanhas.

“Tivemos sorte porque os corpos não tinham feridas. Como era estudante de medicina, entendia que seriam fontes de proteína. Cada um tinha seu tabu. Meu único arrependim­ento é que não pude pedir permissão a eles [os amigos mortos]”, contou ele.

Canessa saiu do local do acidente após cerca de dois meses, caminhou por dez dias com um amigo e encontrou um vaqueiro chileno. Eles entregaram ao homem um bilhete que comprovava que estavam vivos, o que possibilit­ou o resgate.

“Nunca achei que a minha história fosse ajudar alguém”, disse o médico à Folha, antes da palestra.

A assessoria da Mkt Marketing, agência responsáve­l pelo workshop financiado pelo Ministério do Turismo, afirmou, por e-mail, que Canessa “foi contratado para mostrar como superar adversidad­es”. “Exemplo que serve tanto para o público brasileiro como para o argentino, especialme­nte nas atuais circunstân­cias.”

 ?? Divulgação ?? Destroços do avião, que serviu de casa para os sobreviven­tes
Divulgação Destroços do avião, que serviu de casa para os sobreviven­tes

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil