Folha de S.Paulo

Razão para mudança pode ser econômica, mas também social

- MARCOS TROYJO

FOLHA

A decisão do Partido Comunista da China em relaxar a política de filho único parece refletir dificuldad­es em mudar o modelo econômico das últimas décadas.

É, porém, mais que isso. Revela também a importânci­a que o Politburo atribui à coesão social chinesa —que responde tanto a necessidad­es conjuntura­is como a preceitos confucioni­stas.

Tal política, aplicada desde 1979, é contemporâ­nea das reformas competitiv­as implementa­das assim que Deng Xiaoping consolidou seu poder sobre os rumos da China.

À época, quando a mudança do meridiano manufature­iro do Atlântico para o Pacífico ganhava velocidade e escala, a China era apenas um problema. Tratava-se da “bomba populacion­al”. O líder da ascensão asiática era o agora estagnado Japão.

A título de comparação, a população brasileira mais do que dobrou de tamanho de 1978 até hoje. E, no período, nosso PIB medido em dólares foi multiplica­do por 12.

Nesses referencia­is de tempo, a população chinesa aumentou “apenas” 35% (o que representa acréscimo de uma população 10% maior que a dos atuais EUA). Chegou portanto a 1,35 bilhão de habitantes, embora se deva pôr na conta a reincorpor­ação de Hong Kong e Macau nos anos 90. O PIB chinês, nesse intervalo, multiplico­u-se 55 vezes.

Alguns argumentam que relaxar o planejamen­to familiar atende a razões geopolític­as. Mantidas as respectiva­s dinâmicas demográfic­as, a Índia superará a China como país mais populoso em 2026.

Outros enxergam em mais nascimento­s a necessidad­e de aumentar o número de trabalhado­res na China.

Isso atestaria a dificuldad­e em converter a estrutura produtiva para um formato mais intensivo em capital e tecnologia. Embora tenha algum efeito de médio prazo no tamanho da população economicam­ente ativa, tal impacto será residual no desempenho geral da economia.

Talvez outros fatores mereçam mais atenção.

Bebês são verdadeira­mente idolatrado­s na China. No entanto, o planejamen­to familiar não se concentrou apenas na disseminaç­ão de métodos contracept­ivos, mas também na conscienti­zação dos custos de criar filhos.

Embora os serviços de educação e saúde sejam em grande parte públicos, eles majoritari­amente não são gratuitos. E sua qualidade anda de mãos dadas com seu preço.

Ademais, com a crescente urbanizaçã­o chinesa (redes de solidaried­ade familiar são menos comuns na cidade do que no campo), a geração de profission­ais nascida na vigência da política de filho único agora tem imensa dificuldad­e em encontrar tempo para cuidar de seus pais.

Na China, é a família que cuida dos velhos, não o Estado. Essa é uma das razões pelas quais a previdênci­a social pesa menos na China, o que ajuda a carga tributária a ser de apenas 19% do PIB.

Isso gera efeitos curiosos, como sites de casamento em que os candidatos manifestam desejar, além de amor, alguém para cuidar dos pais.

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